Para que minhas poesias não fiquem escondidas no fundo do baú do blog, eu as republico:
?
Anteontem, eu era a perplexidade
Morrendo a solidão a dois,
Numa jaula de junco.
O tempo murchando impassível,
Em direção ao inevitável destino.
Indagava ao dia e à noite
O porquê de tudo, o porquê do nada.
E a resposta era o silêncio do monólogo travestido de sagrado.
Eu era o lobo arredio da estepe situado no cerrado,
Alimentando-me de restos de certezas,
Uivando para a lua imaginária,
Para que ela me iluminasse.
Ontem, a lua atendeu às minhas preces.
Veio a mão amiga, arrebentou as grades
E curou as marcas dos dentes da armadilha.
Deslumbrado com o espaço que me foi dado,
Eu quis segui-la como um cão domesticado,
Idolatrando aquela que me libertou.
Mas ela me esbofeteou a face lupina:
- Não se apegue por gratidão, segue em frente!
Eu sou apenas o espelho que te revelou a força de sua alma,
Grande demais para este mundo pequeno.
Hoje, vagando livre pela estepe travestida de cerrado,
Eu esbarrei em uma loba, errante como eu,
Sedenta de liberdade cúmplice como eu,
E levantei as orelhas, arregalei os olhos,
Senti o seu cheiro que me fez rodear e demarcar território.
Avancei destemido das dúvidas que assombram os solitários.
Ou foi ela que avançou?
Agora, deleito-me com a leveza da sua companhia.
Divirto-me com os nossos jogos de esconder e revelar.
Rio como há muito não ria a graça de sermos por inteiro.
Aconchego-me a ela e gozo cada milímetro de sua forma.
Copulamos como lobos e como humanos,
No desejo de permanecermos unidos,
Pêlo com pêlo, pele com pele, embriagados pelos três pontos de interjeição,
Ainda que tudo entre nós seja um ponto de interrogação.
c cardoso
20 de fev. de 2011
13 de fev. de 2011
Comer em São Paulo
Que São Paulo é um dos melhores lugares do mundo para se comer é notório. O chef Anthony Bourdain, por exemplo, achou a cidade muito feia, mas adorou a comida feita aqui. Desde que vim morar na capital paulista, tenho tido a oportunidade de conhecer alguns dos inúmeros restaurantes da cidade, aqueles que cabem no meu bolso, preferencialmente. Afinal, comer bem (não no sentido de quantidade) é um dos maiores prazeres da vida, seja pelo estímulo que o alimento e a bebida provocam em todos os sentidos, seja pela viagem cultural que a gastronomia representa. Ela é expressão vital do talento dos povos. Conheci alguns muito bons, outros nem tanto. Quase todo fim de semana vou a um diferente. Neste ritmo, talvez eu conheça uma boa parte dos principais restaurantes de São Paulo antes de morrer após eu ter ultrapassado os noventa e tantos anos. Se não quebrar antes, porque não é barato frequentá-los. Também engordei um bocado, e agora estou fazendo um grande sacrifício para recuperar a forma em meio a tantas tentações. Não estou fazendo dieta por culpa. Nunca se deve comer com culpa, ou se arrepender de ter saboreado uma obra de arte. Estou fazendo pela saúde, dando preferência à culinária mediterrânea, como recomenda a ciência médica em voga. Para citar apenas alguns, olha esta lista de restaurantes aos quais fui este último ano: Maní, La Vecchia Cucina, Tantra, Weinstube, Consulado Mineiro, Roperto, A Bela Sintra, Tordesilhas, Bráz, Garabed, Sujinho, Acrópoles, Uo katsu sushi bar. Domingo fui ao L'Entrecote de Paris: prato único, Entrecote com batatas fritas e salada. Não comi as batatas fritas. A carne estava gostosa, macia, embora eu não possa dizer o que havia no tempero de 21 ingredientes. O restaurante que mais me impressionou até agora foi Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, especializado em comida nordestina. www.mocoto.com.br. Para quem não conhece São Paulo tão bem, não é fácil chegar lá, na Zona Norte, Vila Medeiros, sendo recomendável GPS. Fila de mais de hora, pelo menos no sábado. Mas vale a pena: enquanto se espera, a boa pedida é a caipirinha, afinal o restaurante também é uma cachaçaria. E tem deliciosas tapioquinhas em cubo, acompanhadas de geléia de pimenta, para petiscar. O prato principal foi uma das melhores e mais macias capas de costela que eu já experimentei. Só de lembrar, minha boca começa a salivar. Se eu quero conhecer mais e mais restaurantes, o recomendável é não repetir, mas, no caso do Mocotó, seria ótimo revisitá-lo.
5 de fev. de 2011
Encontro com a arte sacra
Há pouco menos de um ano, deixei o cerrado do Planalto Central para vir peregrinar nas terras paulistas, de onde fui levado pequeno, sem, contudo, esquecer os meus laços. Poderia dizer que retornei em busca das minhas raízes, e, em parte, é verdade. Em São Paulo, sinto-me no meu habitat, embora, muitas vezes, fique espantado com o tamanho da selva que é esta cidade e inseguro diante das esquisitices que atravessam o meu caminho. Porém, não é fincar raízes o que desejo. Eu sou um nômade. O que procuro é andar pelas milhares de trilhas de chão ou de asfalto, em meio a árvores ou edifícios, usufruindo desta fonte inesgotável de conhecimento, irradiante em cada canto. E me pego admirando todo e qualquer desenho arquitetônico incrustado nas vias e todo e qualquer traço físico em movimento. Tudo é novo e oferece-me o prazer da desvenda. A arte de viver e de produzir vida está espalhada, cintilando com o sol e com as estrelas. Nesta peregrinação, conheci hoje o Museu de Arte Sacra de São Paulo, no Mosteiro da Luz fundado por Frei Galvão. Lá há belíssimas obras dos séculos XVII e XVIII, que a gente acha que só encontra em Minas Gerais. Peças religiosas como ostensórios e crucifixos, imagens de Jesus, de santos e de Maria, cuja beleza faz com que a fé em Deus e no homem seja resgatada, se a perdeu, ou potencializada às alturas, se a mantém firme ou vacilante. Eu, que vivo o meu momento de filho pródigo que volta à casa do Pai, terminei a visita extasiado, louco por um encontro com Deus, em Cristo, pela oração e pela leitura da Palavra, pela música, pelas artes plásticas... Lamentei, também, ao sair, a equivocada visão protestante em relação às imagens, porque eles perdem muito em não ter contato com esta maravilhosa arte, sob o argumento de que se trata de idolatria. Não se está idolatrando imagens não! Está-se apreciando o produto da permissão dada por Deus ao gênio humano para que seja revelado o Criador invisível aos olhos dos crentes e dos descrentes e para que eles sejam estimulados a seguirem, com fé, Jesus Cristo, como os santos retratados o fizeram. Não resisti, ansioso por conhecer mais acerca da arte cristã, e adquiri um livro muito interessante denominado "A Arte no Cristianismo" de Cláudio Pastro, rico em informações, reflexões e ilustrações, e outro sobre Arte Brasileira Colonial, Barroco e Rococó, de Percival Tirapeli, arte que sempre me fascina e me faz, periodicamente, rever Ouro Preto, São João del Rei e Tiradentes.
28 de jan. de 2011
Onde você estava escondido, lobo do cerrado?
Onde você estava escondido, lobo do cerrado? Em que cerrado ou estepe ou savana ou tundra você hibernou? Inverno mais longo do que o desejado. Longamente eu o procurei, meu amigo eu. Quase desisti, depois de caminhar por trilhas de cascalhos escorregadios e em meio a árvores tortas como a natureza e o poeta mineiro. Mas eu sabia que não podia me deixar tombar sedento no deserto sem fazer conviver em paz o lobo e o cordeiro que pastoreia e mim. Sai deste sono inimigo do tempo, lobo, porque o sonho não é suficiente.Parte em direção à lua que conduz o seu uivo. E me leva junto.
25 de jan. de 2011
São Paulo - 457 anos
Evocações de São Paulo
Passos amarrados
Pés acelerados
Calçados surrados sapatos italianos sandálias de dedo Havaianas saltos altos all star
Barulhos ocos ou silenciosos vão e vêm
Sob a calçada de mapas uniformes brancos e pretos
Sem reparar
O desenho
O contraste
O vento
A garoa
O papel em vôo livre que se recusa a ser lixo, Estadão, Folha
Movimentos lusitanos italianos africanos judeus árabes bolivianos mineiros e baianos,
Luz Bexiga Cerqueira César Santana TucuruviVila Mada Bom Retiro Higienópolis Mooca...Jardins
A cidade não termina, dá medo de tão grande!
Zona Norte Zona Sul Zona Leste Zona Oeste Zona global a partir da Sé
Japoneses ou coreanos ou chineses, Liberdade
Paulistas, paulistanos
Casais de todos os números e gêneros, tribos, punk
E solitários, de dia de noite
Paulistanos todos
Ainda que se odeiem, ou sejam indiferentes
Ainda que corintianos, palmerenses, sãopaulinos
O Pelé, o Senna, a Paula Mágica
Esbarram-se, cortam ruas e avenidas
Os olhos se cruzam às vezes
Enquanto se deviam dos carros que se desviam da marcha lenta
Sinal verde amarelo vermelho verde
Buzina
Fumaça
Sirene
E o céu, quem olha? Pergunta:
Será que vai chover?
Arranha-céus por todo lado, quantos andares!!!!!!!!!!??????
À noite, as luzes nas janelas acesas apagadas acesas abrasadas
Provocam brilho no olhar curioso do voyeur
Espelhados, fumês, espelhos d’água, concretos, retângulos, Otake
Paulista Avenida e ruas retilíneas e curvas
Esculturas esculpidas no abstrato, linhas retas esferas ponto
As mãos desejam acariciar bustos, corpos desnudos beijos
Rodin na Pinacoteca
Pinceladas robustas rasgantes rascantes cabeças grandes graffiti Osgemeos
Sobrados aqui e ali, resistindo aos tempos de megalomania
Lindas mulheres esguias ou não, grife Oscar Freire
Flores nas roupa flores no cabelo
Cores na roupa cores no cabelo, tatuagem
Vestidas com uma elegância que desmente Caetano,
As ondas invadem os céus, os prédios, os automóveis
Rock pop hip hop samba funk clássico eletrizante
No parque Ibirapuera na Sala São Paulo no Municipal
Osesp, Filarmônica de Israel, Titãs e o Arnaldo Antunes,
Vanzolini e sua ronda, os Demônios da Garoa e o Adoniran,
Maria Rita Lee, festivais da Record
E o Cauby no Bar Brahma
Metrô
Buracos
Marginais
Tietê
Rio dos fortes, dos desafios bandeirantes
Como quem chega, como quem fica, como quem parte mas não desiste
Perfumes de agora trazidos pela memória
Tabaco, café, pão francês saído do forno, com manteiga derretendo
Pizza, churrasquinho grego, esfirra, pastel de Bacalhau e temperos no Mercado Municipal
De vitrôs retratando o labor como a semente do progresso
E a lazanha da Cássia
Sabores e cheiros do mundo todos na Paulicéia que apenas se insinua
Tímida perua
Lá no topo do Itália, vejo São Paulo e me espelho
Que visão panorâmica do caos que é existir sem medida
Em expansão por não caber em si!
Em mim!
c cardoso
Passos amarrados
Pés acelerados
Calçados surrados sapatos italianos sandálias de dedo Havaianas saltos altos all star
Barulhos ocos ou silenciosos vão e vêm
Sob a calçada de mapas uniformes brancos e pretos
Sem reparar
O desenho
O contraste
O vento
A garoa
O papel em vôo livre que se recusa a ser lixo, Estadão, Folha
Movimentos lusitanos italianos africanos judeus árabes bolivianos mineiros e baianos,
Luz Bexiga Cerqueira César Santana TucuruviVila Mada Bom Retiro Higienópolis Mooca...Jardins
A cidade não termina, dá medo de tão grande!
Zona Norte Zona Sul Zona Leste Zona Oeste Zona global a partir da Sé
Japoneses ou coreanos ou chineses, Liberdade
Paulistas, paulistanos
Casais de todos os números e gêneros, tribos, punk
E solitários, de dia de noite
Paulistanos todos
Ainda que se odeiem, ou sejam indiferentes
Ainda que corintianos, palmerenses, sãopaulinos
O Pelé, o Senna, a Paula Mágica
Esbarram-se, cortam ruas e avenidas
Os olhos se cruzam às vezes
Enquanto se deviam dos carros que se desviam da marcha lenta
Sinal verde amarelo vermelho verde
Buzina
Fumaça
Sirene
E o céu, quem olha? Pergunta:
Será que vai chover?
Arranha-céus por todo lado, quantos andares!!!!!!!!!!??????
À noite, as luzes nas janelas acesas apagadas acesas abrasadas
Provocam brilho no olhar curioso do voyeur
Espelhados, fumês, espelhos d’água, concretos, retângulos, Otake
Paulista Avenida e ruas retilíneas e curvas
Esculturas esculpidas no abstrato, linhas retas esferas ponto
As mãos desejam acariciar bustos, corpos desnudos beijos
Rodin na Pinacoteca
Pinceladas robustas rasgantes rascantes cabeças grandes graffiti Osgemeos
Sobrados aqui e ali, resistindo aos tempos de megalomania
Lindas mulheres esguias ou não, grife Oscar Freire
Flores nas roupa flores no cabelo
Cores na roupa cores no cabelo, tatuagem
Vestidas com uma elegância que desmente Caetano,
As ondas invadem os céus, os prédios, os automóveis
Rock pop hip hop samba funk clássico eletrizante
No parque Ibirapuera na Sala São Paulo no Municipal
Osesp, Filarmônica de Israel, Titãs e o Arnaldo Antunes,
Vanzolini e sua ronda, os Demônios da Garoa e o Adoniran,
Maria Rita Lee, festivais da Record
E o Cauby no Bar Brahma
Metrô
Buracos
Marginais
Tietê
Rio dos fortes, dos desafios bandeirantes
Como quem chega, como quem fica, como quem parte mas não desiste
Perfumes de agora trazidos pela memória
Tabaco, café, pão francês saído do forno, com manteiga derretendo
Pizza, churrasquinho grego, esfirra, pastel de Bacalhau e temperos no Mercado Municipal
De vitrôs retratando o labor como a semente do progresso
E a lazanha da Cássia
Sabores e cheiros do mundo todos na Paulicéia que apenas se insinua
Tímida perua
Lá no topo do Itália, vejo São Paulo e me espelho
Que visão panorâmica do caos que é existir sem medida
Em expansão por não caber em si!
Em mim!
c cardoso
31 de dez. de 2010
balanço de fim de ano - Salve 2011
Escrevi este poema há dois anos, mas ele continua, em grande parte, atual, e vale ser republicado e lido e relido por mim mesmo, para que eu retire da bagagem o peso desnecessário e siga a minha viagem de peregrino com mais leveza e com um pouco mais de consciência de onde estou e para onde vou.
2010 tem sido um ano de mudanças maravilhosas para mim e a mais importante, sem dúvida, é o meu reencontro com Deus, que não desistiu de mim. Um caminho parecido com o de muitos céticos, a exemplo do percorrido por C. S.. Lewis. Dou graças e estou certo de que 2011 será igualmente fantástico. FELIZ 2011.
Balanço de fim de ano
Fim de ano
Balanço
A minha existência ondeante, o ano, os anos
Muito se passou, muito há por(vir)
O que fiz, o que faço, o que farei?
Tive filhos, mandei plantar uma árvore, não escrevi
aquele livro
Mudei muito, mudo muito, sempre vou mudar muito
E tornei a ser o que sou
Eu não sei
Mutante que perscruta os enigmas que atormentam as criaturas que penam
Por este e por outros mundos
De dia, ainda que escaldante o sol ou torrencial a chuva
À noite, pelas sombras, iluminado apenas pelo frágil fogo da vela
Cera consumida grão a grão
Já fui crédulo mas a idade da razão me ensinou a descrer primeiro
Duvido como método mas quero crer
Em que?
Que não vou morrer em vão, que o vazio pode ser preenchido
Como um poema que vai dando forma e beleza à folha em branco
Como uma criança toda dependente da mãe que vai descobrindo os movimentos de emancipação
Não me pergunte sobre Deus, eu o procurei por todo canto
Em todo beco escuro
Nas igrejas, nos centros, nos templos, nas sinagogas
Como o filho bastardo atrás do pai desconhecido
Ansioso por uma verdade que, acredita, irá torná-lo menos indigno
Menos desprovido de uma causa plausível
Só encontrei o silêncio eloqüente da tragicomédia humana
A repugnante imagem da besta devorando a inocência ensangüentada
Pergunte-me sobre o Homem, eu os encontrei alguns
Homens e mulheres
Que desafiam a lógica dos céus e da terra, com técnica e arte
E das dores produzem a alegria momentânea de viver
Para a deles e para as gerações futuras
E eu os invejo de inveja boa
Não sou pessimista nem amargo, sou apenas o que vê com olhos críticos
Amei muito, amo muito, sempre vou amar muito
Porque só a paixão possui a capacidade de criar
A liberdade, a verdade, a beleza, a justiça
Porque só quem tem paixão está disposto o pagar o preço
De seguir em frente, sem medo do sofrimento e do fracasso
Amei e odiei as mulheres que me rejeitaram
Amei e desamei as que me amaram
E amo uma vez mais, combustível, inflamável
Eternamente enquanto dure
Até que a morte nos separe
À cumplicidade dos amantes não há gozo comparável
Mas tem o espelho
Revelando as rugas, os cabelos e a barba brancos, o segundo tempo
O tic tac jogando contra
Como eu queria a minha maturidade somada à juventude que perdi
Como eu desejo a sensual imortalidade do Highlander
Que pela espada vence deuses e demônios e mortais
Numa conquista constante da liberdade
Alimentando-se da aventura trovejante da história
E renascendo a cada instante e por toda a eternidade
Pudera eu viver sem fim para escrever história(s)
Não importa, tem o agora
A infinitude do presente aberta para a concretização dos sonhos
De liberdade
De verdade
De beleza
De justiça
Vou transformá-los em realidade agora, é o que importa
Porque o espelho também me confessa: você pode!
c cardoso
2010 tem sido um ano de mudanças maravilhosas para mim e a mais importante, sem dúvida, é o meu reencontro com Deus, que não desistiu de mim. Um caminho parecido com o de muitos céticos, a exemplo do percorrido por C. S.. Lewis. Dou graças e estou certo de que 2011 será igualmente fantástico. FELIZ 2011.
Balanço de fim de ano
Fim de ano
Balanço
A minha existência ondeante, o ano, os anos
Muito se passou, muito há por(vir)
O que fiz, o que faço, o que farei?
Tive filhos, mandei plantar uma árvore, não escrevi
aquele livro
Mudei muito, mudo muito, sempre vou mudar muito
E tornei a ser o que sou
Eu não sei
Mutante que perscruta os enigmas que atormentam as criaturas que penam
Por este e por outros mundos
De dia, ainda que escaldante o sol ou torrencial a chuva
À noite, pelas sombras, iluminado apenas pelo frágil fogo da vela
Cera consumida grão a grão
Já fui crédulo mas a idade da razão me ensinou a descrer primeiro
Duvido como método mas quero crer
Em que?
Que não vou morrer em vão, que o vazio pode ser preenchido
Como um poema que vai dando forma e beleza à folha em branco
Como uma criança toda dependente da mãe que vai descobrindo os movimentos de emancipação
Não me pergunte sobre Deus, eu o procurei por todo canto
Em todo beco escuro
Nas igrejas, nos centros, nos templos, nas sinagogas
Como o filho bastardo atrás do pai desconhecido
Ansioso por uma verdade que, acredita, irá torná-lo menos indigno
Menos desprovido de uma causa plausível
Só encontrei o silêncio eloqüente da tragicomédia humana
A repugnante imagem da besta devorando a inocência ensangüentada
Pergunte-me sobre o Homem, eu os encontrei alguns
Homens e mulheres
Que desafiam a lógica dos céus e da terra, com técnica e arte
E das dores produzem a alegria momentânea de viver
Para a deles e para as gerações futuras
E eu os invejo de inveja boa
Não sou pessimista nem amargo, sou apenas o que vê com olhos críticos
Amei muito, amo muito, sempre vou amar muito
Porque só a paixão possui a capacidade de criar
A liberdade, a verdade, a beleza, a justiça
Porque só quem tem paixão está disposto o pagar o preço
De seguir em frente, sem medo do sofrimento e do fracasso
Amei e odiei as mulheres que me rejeitaram
Amei e desamei as que me amaram
E amo uma vez mais, combustível, inflamável
Eternamente enquanto dure
Até que a morte nos separe
À cumplicidade dos amantes não há gozo comparável
Mas tem o espelho
Revelando as rugas, os cabelos e a barba brancos, o segundo tempo
O tic tac jogando contra
Como eu queria a minha maturidade somada à juventude que perdi
Como eu desejo a sensual imortalidade do Highlander
Que pela espada vence deuses e demônios e mortais
Numa conquista constante da liberdade
Alimentando-se da aventura trovejante da história
E renascendo a cada instante e por toda a eternidade
Pudera eu viver sem fim para escrever história(s)
Não importa, tem o agora
A infinitude do presente aberta para a concretização dos sonhos
De liberdade
De verdade
De beleza
De justiça
Vou transformá-los em realidade agora, é o que importa
Porque o espelho também me confessa: você pode!
c cardoso
21 de jun. de 2010
20 de jun. de 2010
anjos
Não existem anjos, assexuados, com suas asas recolhidas ou abertas, em algum lugar no espaço etéreo guardando a gente, atuando como mensageiros junto a um deus produto da nossa necessidade de preencher o vazio. Mas existem anjos, sim, homens e mulheres, com sangue nas veias, protegendo-nos, anonimamente em geral, sem precisar de uma prece, lutando diariamente, alguns nos lugares mais obscuros do mundo, outros, em grandes centros urbanos, todos com um objetivo: contribuir para uma vida melhor, para a evolução. Por exemplo, cientistas pesquisando a cura de doenças, cuidando da flora e da fauna, investigando novas fontes de energia e criando novas tecnologias; médicos, enfermeiros, veterinários e bombeiros salvando vidas; advogados defendendo injustiçados; engenheiros construíndo casas, pontes, metros e aviões; policiais cuidando da segurança; empresários produzindo alimentos, roupas, empregos e filantropia; professores transmitindo conhecimento e valores...São esses seres que merecem a nossa atenção e o nosso reconhecimento, não aqueles invisíveis e silenciosos residentes de uma dimensão que só cabe nos livros de ficção. Quanto tempo desperdiçado com o ilusório, em igrejas, quando deveríamos gastá-lo na aquisição do saber? Quanto dinheiro jogado fora, enriquecendo líderes religiosos charlatães, quando deveríamos usá-lo investindo em Ciência e Tecnologia? É verdade que a Ciência tem as suas limitações e não satisfaz plenamente, mas quanto não teríamos ampliado as fronteiras do conhecimento se nos dedicássemos mais a ela e menos à religião e aos seus mitos?
16 de jun. de 2010
esta rua não
Al(quem) estendido sob o tecido roto
Encardido como a calçada de pedras corroídas,
Na cama de papelão e frio dorme e não sonha,
Cadáver em que ainda há um sopro inaldível.
O manto não é coberta, é mortalha sagrada.
O cachorro e as pulgas sonolentos
Velam o amigo de desventuras e abandono,
Aquecidos pela porta do estabelecimento cerrada,
À espera das horas, do momento de catar as sobras.
Os meus olhos aflitos no espanto...
Quantos por esta rua de prédios cinzentos [como suas peles]
Pelo tempo descuidados jogados pelos cantos
Amontoados nas paredes grafitadas sem arte
Respirando as fezes, o mijo, o crack.
Rápido, rápido, me afasta daqui para a minha rua!
Esta rua não é a minha calçada de pedras cintilantes
Circundada por torres altivas de uma côr impecável
Espelhos da gente que ali passa rumo à casa
Para encontrar a lareira, o vinho, o abraço.
c cardoso
Encardido como a calçada de pedras corroídas,
Na cama de papelão e frio dorme e não sonha,
Cadáver em que ainda há um sopro inaldível.
O manto não é coberta, é mortalha sagrada.
O cachorro e as pulgas sonolentos
Velam o amigo de desventuras e abandono,
Aquecidos pela porta do estabelecimento cerrada,
À espera das horas, do momento de catar as sobras.
Os meus olhos aflitos no espanto...
Quantos por esta rua de prédios cinzentos [como suas peles]
Pelo tempo descuidados jogados pelos cantos
Amontoados nas paredes grafitadas sem arte
Respirando as fezes, o mijo, o crack.
Rápido, rápido, me afasta daqui para a minha rua!
Esta rua não é a minha calçada de pedras cintilantes
Circundada por torres altivas de uma côr impecável
Espelhos da gente que ali passa rumo à casa
Para encontrar a lareira, o vinho, o abraço.
c cardoso
13 de jun. de 2010
Uma das principais razões que me motivaram a mudar para São Paulo foi o seu lado cultural. A cidade oferece inúmeras opções: concertos clássicos ou de rock; cinema experimental ou holllywoodiano; arte nas ruas, nas galerias, nos museus, e teatro, muito teatro, para todos os gostos, dos duvidosos aos mais requintados. Para o dia 12, dos namorados, pretendia levar a minha namorada para ver "Simplesmente eu, Clarice Lispector", mas os ingressos estavam esgotados até o fim da temporada. O jantar romântico reservei para a noite anterior, sabendo o quanto seria difícil encontrar uma mesa em um bom restaurante na data em que todos os pares entram no clima das luzes de velas ao som de músicas que falam de amores, estimulados pelo sábio comércio. Decidi, então, assistir a uma outra Clarice, também judia, também talentosa, no monólogo "A Alma Imoral", baseado na obra do Rabino Nilton Bonder, e não me arrependi. Clarice Niskier atua sozinha, no palco de poucas luzes e muitas sombras, decorado de modo minimalista, com foco na sua dança de desnudar-se e de cobrir-se, despindo e vestindo as mentes de quem a assiste. Ela dialoga soberana com a platéia, ainda que ninguém a responda falando, mas apenas sorria ou dilate as pupila, tentando acompanhar o seu raciocínio rápido, as suas provocações à nossa sensibilidade. Valendo-se de histórias do Judaísmo, ela enfrenta como tema central a tensão entre a tradição e a transgressão, e demonstra, com um humor sutil e refinado, tipicamente judaico, que é a boa convivência com essa tensão que produz a evolução do ser humano. É ela a ponte entre o passado e o futuro. De fato, se de um lado a tradição revela a sabedoria construída pelo tempo por meio da experiência, de outro, nada se experimentaria, de modo a estabelecer a tradição, se não se arriscasse a quebrá-la. Aonde estaria a humanidade ainda, se inteiramente fiel à tradição, por exemplo, de oferecer sacrifícios humanos aos deuses, de possuir escravos adquiridos nas vitórias das guerras, ou de estuprar as mulheres dos inimigos usando-as como troféu de batalhas? Aonde estaria a humanidade ainda, se Corpénico e Galileu não tivessem ido de encontro à tradição do geocentrismo, os navegadores do sec. XV não tivessem desafiado os monstros dos Oceanos, e os Iluministas tivessem se mantido curvados à tradição absolutista? Porém, o que seríamos nós se não tivéssemos conservado a filosofia dos Gregos, a experiência jurídica dos Romanos, a tradição democrática inglesa, a arte inspirada nos mitos de todos os tempos e de todos os cantos do Planeta? A sabedoria está em distinguir o que conservar e o que jogar no lixo e em ter coragem para conservar o que deve ser conservado e em descartar o que deve ser descartado, não importa quantos se oponham a isso. Sem esses sábios e corajosos, a espécie humana nem se conserva nem progride. Isto vale também, claro, para o indivíduo e o seu crescimento como ser. Transgredir por transgredir é tolice, como também o é seguir hábitos e costumes por comodismo. Como bem assinala a peça, o destino do homem é a expansão, destino este já revelado no ventre materno. Seria mais confortável para o bebê permanecer ali, alimentado pela mãe e protegido, pelo líquido aminiótico, das mazelas do mundo exterior. Mas é necessário que ele rompa com este conforto, se lance de cabeça para as incertezas do mundo afora, e cresça em liberdade, senhor do seu rumo. Do contrário, ele não sobrevive. É preciso que não temamos as mudanças indispensáveis e que igualmente não desprezemos o conhecimento elaborado ao longo da nossa história, como ensina a tradição judaica segundo a leitura do Rabino Bonder. Vê-se, aqui, que a arte de Clarice Niskier cumpriu a sua função, me fez sorrir e me fez pensar.
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