17 de abr. de 2009

Brasil por Kafka

Nos últimos meses tenho convivido mais intensamente com uma realidade "non sense" que aflige os cidadãos brasileiros: a criada pela burrocracia. Estou tentando vender o apartamento dos meus filhos. Já tenho o comprador, que pretende adquirir o imóvel com financiamento da Caixa Econômica Federal, aquela empresa pública que faz diariamente propaganda afirmando que o governo está realizando o sonho da casa própria de milhões. Ela exige dezenas de certidões e documentos produzidos por cartórios. Você obtém os documentos, leva a uma agência da Caixa, e é informado que está faltando outra certidão nunca antes mencionada. Vai atrás, e, quando consegue, descobre que a validade de outra certidão expirou, porque elas só têm validade por 30 dias. E as idas e vindas aos cartórios recomeçam, e os gastos com cartório não terminam. Negócio fabuloso o cartorário, em que carimbos e textos com estílos que refletem a cabeça de copiador de fórmulas trazidas pela Corte de D. joão VI, custam mais do que arroz e feijão, boa literatura e belas invenções científicas. Reconhecer uma firma custa para o consumidor tanto quanto um litro de gasolina. Compare os recursos materiais e humanos utilizados na produção de uma e outra e me diga qual é a lógica econômica do valor cobrado. É uma indagação a ser feita às Corregedorias dos Tribunais que estabelecem os preços. Na semana passada, quando finalmente parecia que o negócio seria fechado, e eu poderia assinar o contrato de compra e venda do bem, representando os meus filhos, pois já estava tudo aprovado pela Caixa, o escrivão, quase sempre ele - quando não o servidor da Caixa - disse que a procuração pública, lavrada em cartório a um custo de mais de R$100,00, não servia porque ela não mencionava expressamente a Caixa Econômica Federal, embora se referisse a instituições de crédito, bancos etc...Fiz meu filho, que mora em São Paulo, correr a um cartório e fazer nova procuração especificando a CEF, e mandar o documento por sedex, com receio de caducar as certidões já entregue. Mais R$ 200,00. Hoje, a caminho da assinatura no cartório, recebi um telefonema do comprador: não adianta vir, como o seu filho mudou-se para São Paulo, o escrivão está exigindo certidões negativas de cartórios paulistanos. Imaginem a minha ira e a raiva do comprador. Mais tempo perdido e dinheiro desperdiçado, num círculo vicioso interminável. Parece que a lógica é esta: dane-se o tempo e o dinheiro do cidadão, a burrocracia insaciável quer mais. A mim, eu que não acredito na santidade e no poder transcedental das igrejas, não me resta sequer reclamar para o bispo. Meu filho terá que ir de cartório em cartório, em São Paulo, enriquecer donos de cartório.

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