31 de ago. de 2008

sabedoria

Não sejamos muito exigentes;
nem sempre a Sorte é acessível
a todo mundo, a toda gente.
Ela é só dos menos sensíveis,
ou dos ricos, naturalmente...
Não desejemos o impossível.
Devemos estar contentes
de ser quem somos: simplesmente
namorados intermitentes
loucamente se namorando 
de vez em quando.
E já é uma grande coisa a gente
ser dois, à parte, entre os mortais,
dois que se bastam mutuamente
e não se aborrecem demais.
E se somos mais exigentes,
se às vezes a alma ainda se sente
solteira e triste, isso é explicável:
temos um gênio insuportável...
ou somos muito inteligentes.

Paul Géraldy

26 de ago. de 2008

Ave Maria

Salve Maria Cheia de Graça
A vida conspire convosco
Bendita sois vós entre as musas
Bendito é o fruto das vossas indagações,
[veritas
Não me deixeis viver na escuridão
E livrai-me da solidão
Amém

c cardoso

22 de ago. de 2008

O Mistério das Cousas - mais uma do poeta filósofo

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas

Alberto Caeiro

21 de ago. de 2008

Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro

18 de ago. de 2008

While my guitar gently weeps - George Harrison

I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at the floor and i see it needs sweeping
Still my guitar gently weeps

I don't know why nobody told you how to unfold your love
I don't know how someone controlled you
They bought and sold you

I look at the world and i notice it's turning
While my guitar gently weeps
With every mistake we must surely be learning
Still my guitar gently weeps

I dont know how you were diverted
You were perverted too
I dont know how you were inverted
No one alerted you

I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
Look at you all...
Still my guitar gently weeps

17 de ago. de 2008

Ei garota, você me entende ou não? 
Fiquei na minha, porque você
Não disse nem que sim nem que não.
 Olhou de lado olhar dilatado
O que sua boca silenciou, 
sorrindo dentes perfeitamente brancos.
Eu não soube se você me entende ou não.
Raspei a cabeça
Deixei a barba crescer curtinha
Tatuei o sol no braço esquerdo
A lua no direito
Tudo pra chamar a sua atenção
E você não diz nem que sim nem que não
Esquece até o meu convite pro seu restaurante preferido
Mas fique certa que não estou ferido.
Porque sou poeta e o esquecimento pro poeta é o imemorável
E o nosso vinho será rock 'n roll.

c cardoso



13 de ago. de 2008

Adeus

A cabeça vira
No travesseiro, revira
O ouvido escuta
Na pressão da orelha
O coração socar o travesseiro
Cadê o sono, cadê?
Você ao lado dormindo sonora
Um mosquito zumbindo alto
A madrugada transformando a noite em tormento
Sob o lençol cabeça e ouvido giram
Você não vê, vê?
Hiberna esperando o mal tempo passar
O inverno não passará, não para nós
Eu vou passar como alguém que amou por inteiro
Mas agora não, não mais!
A hora não passa
O tempo me escapa
Eu preciso dizer adeus
Mas a voz calada
É a alma sufocada
Você precisa entender, acorda!
Eu vou partir
Em algum lugar uma guitarra melancólica berra
O meu coração pulsa
Para quem quiser ouvir
E não é por amor.


c cardoso

12 de ago. de 2008

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

7 de ago. de 2008

Assim falou Nietzsche

"Você precisa estar pronto para se queimar em sua própria chama: como você pode se tornar novo, se não se transformar primeiro em cinzas?"

'O que não me mata, fortalece-me"

Nietzsche

Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.

Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.

Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil...
E para a glória do teu ser mais franco

Quisera que te vissem com eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.

Vinicius de Moraes

5 de ago. de 2008

Liberdade

Paul Éluard


Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

Tradução: Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira

Liberté

Liberté



Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J'écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom

Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom

Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom

Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom

Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom

Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom

Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté.

Paul Éluard
"Nada existe de grandioso sem paixão"

F. Hegel

4 de ago. de 2008

"Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz".

Vladimir Maiakovski

LES FEUILLES MORTES

LES FEUILLES MORTES

paroles: Jacques Prévert

musique: Joseph Kosma



Oh! je voudrais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis

En ce temps-là la vie était plus belle,

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Tu vois, je n'ai pas oublié...

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du nord les emporte

Dans la nuit froide de l'oubli.

Tu vois, je n'ai pas oublié

La chanson que tu me chantais.



REFRAIN:

C'est une chanson qui nous ressemble

Toi, tu m'aimais et je t'aimais

Et nous vivions tous deux ensemble

Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais

Mais la vie sépare ceux qui s'aiment

Tout doucement, sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Les pas des amants désunis.



Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie

Je t'aimais tant, tu étais si jolie,

Comment veux-tu que je t'oublie?

En ce temps-là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n'ai que faire des regrets

Et la chanson que tu chantais

Toujours, toujours je l'entendrai!

3 de ago. de 2008

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem-comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
                    [protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
                                                    [cunho vernáculo de um vocábulo  

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarimos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
                                                                                           [mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade  tabela de co-senos secretário do amante
                [exemplar com cem modelos de cartas e diferentes 
                [maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira