24 de dez. de 2008

Feliz Natal

Tenho ligado para diversos amigos e cumprimentado várias pessoas desejando "Boas festas"e "Feliz 2009"e resistido a usar a expressão "Feliz Natal", afinal não sou cristão. Mesmo quando eu era, via com reserva a festa natalina pelo ênfase ao consumo em detrimento da filosofia cristã de desapego às coisas materiais. Nunca fui contra o consumo, sou capitalista, burguês, e acredito no livre comércio como fonte de riqueza e progresso. Mas, já naquela época, estranhava que, raramente, a data era lembrada como a do nascimento de Jesus Cristo e o que isso significava para os adeptos do Cristianismo. Impressionavam-me os exageros, a começar pela comilança... Perturbava-me a hipocrisia de pessoas que sequer se gostavam e manifestavam um apreço entre elas que não ultrapassava as doze horas seguintes à troca de presentes e de abraços. Perguntava-me por que o tal do espírito natalino não durava o ano todo, considerando-se o número de pessoas que entupiam os shoppings centers e as ruas de comércio na véspera de Natal, conquistando espaços com a bravura de um guerreiro e suportando o castigo do tempo com a paciência de Jó. Hoje, quando estou convencido de que a diferença entre o Cristianismo e as mitologias ditas "pagãs" é, especialmente, de número (de deuses), percebo que a existência de uma data que estimula e valoriza a troca de dar-se, ainda que por um frágil e breve momento, é melhor do que nada. Por que, então, resistir? Feliz Natal!

22 de dez. de 2008

stand by me
the beatles
Composição: John Lennon

When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we see
No, I won't be afraid
Oh, I won't be afraid
Just as long as you stand
Stand by me, and

Darling darling stand by me
Oh, stand by me
Oh stand, stand by me, stand by me

If the sky that we look upon
Should tumble and fall
Or the mountain
Should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry
No, I won't shed a tear
Just as long as you stand
Stand by me, and

Darling darling stand by me
Oh, stand by me
Oh stand, stand by me, stand by me

18 de dez. de 2008

"Poesia é voar fora da asa"

Manoel de Barros

rápido e rasteiro - Chacal

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida

14 de dez. de 2008

Balanço de fim de ano

Fim de ano
Balanço
A minha existência ondeante, o ano, os anos

Muito se passou, muito há por(vir)

O que fiz, o que faço, o que farei?
Tive filhos, mandei plantar uma árvore, não escrevi
aquele livro

Mudei muito, mudo muito, sempre vou mudar muito
E tornei a ser o que sou
Eu não sei
Mutante que perscruta os enigmas que atormentam as criaturas que penam
Por este e por outros mundos
De dia, ainda que escaldante o sol ou torrencial a chuva
À noite, pelas sombras, iluminado apenas pelo frágil fogo da vela
Cera consumida grão a grão

Já fui crédulo mas a idade da razão me ensinou a descrer primeiro
Duvido como método mas quero crer
Em que?
Que não vou morrer em vão, que o vazio pode ser preenchido
Como um poema que vai dando forma e beleza à folha em branco
Como uma criança toda dependente da mãe que vai descobrindo os movimentos de emancipação

Não me pergunte sobre Deus, eu o procurei por todo canto
Em todo beco escuro
Nas igrejas, nos centros, nos templos, nas sinagogas
Como o filho bastardo atrás do pai desconhecido
Ansioso por uma verdade que, acredita, irá torná-lo menos indigno
Menos desprovido de uma causa plausível
Só encontrei o silêncio eloqüente da tragicomédia humana
A repugnante imagem da besta devorando a inocência ensangüentada

Pergunte-me sobre o Homem, eu os encontrei alguns
Homens e mulheres
Que desafiam a lógica dos céus e da terra, com técnica e arte
E das dores produzem a alegria momentânea de viver
Para a deles e para as gerações futuras
E eu os invejo de inveja boa

Não sou pessimista nem amargo, sou apenas o que vê com olhos críticos

Amei muito, amo muito, sempre vou amar muito
Porque só a paixão possui a capacidade de criar
A liberdade, a verdade, a beleza, a justiça
Porque só quem tem paixão está disposto o pagar o preço
De seguir em frente, sem medo do sofrimento e do fracasso

Amei e odiei as mulheres que me rejeitaram
Amei e desamei as que me amaram
E amo uma vez mais, combustível, inflamável
Eternamente enquanto dure
Até que a morte nos separe

À cumplicidade dos amantes não há gozo comparável

Mas tem o espelho
Revelando as rugas, os cabelos e a barba brancos, o segundo tempo
O tic tac jogando contra
Como eu queria a minha maturidade somada à juventude que perdi
Como eu desejo a sensual imortalidade do Highlander
Que pela espada vence deuses e demônios e mortais
Numa conquista constante da liberdade
Alimentando-se da aventura trovejante da história
E renascendo a cada instante e por toda a eternidade

Pudera eu viver sem fim para escrever história(s)

Não importa, tem o agora
A infinitude do presente aberta para a concretização dos sonhos
De liberdade
De verdade
De beleza
De justiça

Vou transformá-los em realidade agora, é o que importa
Porque o espelho também me confessa: você pode!

c cardoso

12 de dez. de 2008

TABACARIA

Fernando Pessoa

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,

Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

11 de dez. de 2008

Vejam esta frase bem oportuna:
"Fear is static that prevents me from hearing myself."
Samuel Butler
Os corajosos determinam o próprio destino e mesmo o de outras pessoas, porque eles não temem montar no cavalo que passa e que se oferece para os transportar pelas estradas sinuosas da vida. Seguram as rédeas com a confiança de quem sabe que está no mando, apesar da responsabilidade que é governar e da presença permanente do risco de errar; os medrosos são manipulados pelo destino, como os cavalos guiados pelo cabresto, porque apostam mais no fracasso do que no sucesso, e preferem quedar-se resmungando à espera da morte do que pôr a mão na massa e construir e reconstruir a vida. Os corajosos colherão no momento certo e na medida certa os doces frutos da sua ousadia; os medrosos receberão a escassez produzida pela sua paralisia.

8 de dez. de 2008

São Paulo FC - É Hexa!

Não sou um torcedor fanático, mas não poderia deixar de comemorar o campeonato brasileiro conquistado pelo São Paulo, cantando com os demais saopaulinos:

Salve o Tricolor Paulista
Amado clube brasileiro
Tu és forte, tu és grande
Dentre os grandes és o primeiro
Tu és forte, tu és grande
Dentre os grandes és o primeiro
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
São teus guias brasileiros
Que te amam eternamente
De São Paulo tens o nome
Que ostentas dignamente
De São Paulo tens o nome
Que ostentas dignamente
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado



São Paulo clube querido
Tu tens o nosso amor
Teu nome e as tuas glórias
Tem honra e resplendor
Teu nome e as tuas glórias
Tem honra e resplendor
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
Tuas cores gloriosas
Despertam um amor febril
Pela terra bandeirantes
Honra e glória do Brasil
Pela terra bandeirante
Honra e glória do Brasil
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
Vêm do passado
Ó Tricolor
Clube bem amado
As tuas glórias
velha infância

tribalistas
Composição: Arnaldo Antunes/ Carlinhos Brown/ Marisa Monte

Você é assim
Um sonho prá mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...

E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância...

Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só...

Você é assim
Um sonho prá mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito...

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor...

E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância...

Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só...

Você é assim
Um sonho prá mim
Você é assim...
Você é assim...
Você é assim...

-"Você é assim
Um sonho prá mim
E quando eu não te vejo
Penso em você
Desde o amanhecer
Até quando me deito
Eu gosto de você
Eu gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor"

6 de dez. de 2008

paradeiro

Composição: Arnaldo Antunes, Marisa Monte

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício?

Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio
Perto do precipício.

Haverá paraíso
sem perder o juízo e sem morrer?

Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
No momento preciso?

Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas
antes do prejuízo

Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?

Haverá paradeiro
Para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós?

30 de nov. de 2008

Evocações de São Paulo

Passos amarrados
Pés acelerados
Calçados surrados sapatos italianos sandálias de dedo Havaianas saltos altos all star
Barulhos ocos ou silenciosos vão e vêm
Sob a calçada de mapas uniformes brancos e pretos
Sem reparar
O desenho
O contraste
O vento
A garoa
O papel em vôo livre que se recusa a ser lixo, Estadão, Folha
Movimentos lusitanos italianos africanos judeus árabes bolivianos mineiros e baianos,
Luz Bexiga Cerqueira César Santana Tucuruvi Vila Mada Bom Retiro Higienópolis Mooca...Jardins
A cidade não termina, dá medo de tão grande!
Zona Norte Zona Sul Zona Leste Zona Oeste Zona global a partir da Sé
Japoneses ou coreanos ou chineses, Liberdade
Paulistas, paulistanos
Casais de todos os números e gêneros, tribos, punk
E solitários, de dia de noite
Paulistanos todos
Ainda que se odeiem, ou sejam indiferentes
Ainda que corintianos, palmerenses, sãopaulinos
O Pelé, o Senna, a Paula Mágica
Esbarram-se, cortam ruas e avenidas
Os olhos se cruzam às vezes
Enquanto se desviam dos carros que se desviam da marcha lenta
Sinal verde amarelo vermelho verde
Buzina
Fumaça
Sirene
E o céu, quem olha? Pergunta:
Será que vai chover?
Arranha-céus por todo lado, quantos andares!!!!!!!!!!??????
À noite, as luzes nas janelas acesas apagadas acesas abrasadas
Provocam brilho no olhar curioso do voyeur
Espelhados, fumês, espelhos d’água, concretos, retângulos, Otake
Paulista Avenida e ruas retilíneas e curvas
Esculturas esculpidas no abstrato, linhas retas esferas ponto
As mãos desejam acariciar bustos, corpos desnudos beijos
Rodin na Pinacoteca
Pinceladas robustas rasgantes rascantes cabeças grandes graffiti Osgemeos
Sobrados aqui e ali, resistindo aos tempos de megalomania
Lindas mulheres esguias ou não, grife Oscar Freire
Flores nas roupa flores no cabelo
Cores na roupa cores no cabelo, tatuagem
Vestidas com uma elegância que desmente Caetano,
As ondas invadem os céus, os prédios, os automóveis
Rock pop hip hop samba funk clássico eletrizante
No parque Ibirapuera na Sala São Paulo no Municipal
Osesp, Filarmônica de Israel, Titãs e o Arnaldo Antunes,
Vanzolini e sua ronda, os Demônios da Garoa e o Adoniran,
Maria Rita Lee, festivais da Record
E o Cauby no Bar Brahma
Metrô
Buracos
Marginais
Tietê
Rio dos fortes, dos desafios bandeirantes
Como quem chega, como quem fica, como quem parte mas não desiste
Perfumes de agora trazidos pela memória
Tabaco, café, pão francês saído do forno, com manteiga derretendo
Pizza, churrasquinho grego, esfirra, pastel de Bacalhau e temperos no Mercado Municipal
De vitrôs retratando o labor como a semente do progresso
E a lazanha da Cássia
Sabores e cheiros do mundo todos na Paulicéia que apenas se insinua
Tímida perua
Lá no topo do Itália, vejo São Paulo e me espelho
Que visão panorâmica do caos que é existir sem medida
Em expansão por não caber em si!
Em mim!

c cardoso

24 de nov. de 2008

MADRIGAL MELANCÓLICA

O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza


O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza.
Nem a tua impureza

O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é A VIDA !!!

Manoel Bandeira

9 de nov. de 2008

Formosa,hei de tocar-te com meu pensamento.
Tocar-te e tocar e tocar
até que de repente me
dês um sorriso,timidamente obsceno

(formosa hei de
tocar-te com meu pensamento.)Tocar
te,e só,

suave e inteiramente tu hás de tornar-te
com leveza infinita

o poema que não hei de escrever.

e e cummings

3 de nov. de 2008

Mulher acima dos 40

Tenho que me render ao talento do Arnaldo Jabor, e, se ele me permite, pego emprestado o seu texto expressar a minha admiração pelas mulheres acima dos 40:


"À medida que envelheço e convivo com outras, valorizo mais ainda as mulheres que estão acima dos 40.
Elas não se importam com o que você pensa, mas se dispõem de coração se você tiver a intenção de conversar.
Se ela não quer assistir ao jogo de futebol na tv, não fica à sua volta resmungando, pirraçando... vai fazer alguma coisa que queira fazer... E geralmente é alguma coisa bem mais interessante. Ela se conhece o suficiente para saber quem é, o que quer e quem quer.
Elas definitivamente não ficam com quem não confiam. Mulheres se tornam psicanalistas quando envelhecem. Você nunca precisa confessar seus pecados... elas sempre sabem...
Ficam lindas quando usam batom vermelho. O mesmo não acontece com mulheres mais jovens... Por que será, heim??
Mulheres mais velhas são diretas e honestas. Elas te dirão na cara se você for um idiota, caso esteja agindo como um!
Você nunca precisa se preocupar onde se encaixa na vida dela. Basta agir como homem e o resto deixe que ela faça...
Sim, nós admiramos as mulheres com mais de 40 anos!
Infelizmente isto não é recíproco, pois para cada mulher com mais de 40 anos, estonteante, bonita, bem apanhada, sexy, e bem resolvida, existe um homem com mais de 40, careca, pançudo em bermudões amarelos, bancando o bobo para uma garota de 19 anos...
Senhoras, eu peço desculpas por eles: não sabem o que fazem!Para todos os homens que dizem: 'Porque comprar a vaca, se você pode beber o leite de graça?', aqui está a novidade para vocês: hoje em dia 80% das mulheres são contra o casamento e sabem por quê? Porque 'as mulheres perceberam que não vale a pena comprar um porco inteiro só para ter uma lingüiça! ".
Nada mais justo!"

Arnaldo Jabor

29 de out. de 2008

Epitáfio

Atenção! para quem está deixando a vida escorrer como água abundante, quando o tempo é de escassez:

Composição: Sérgio Britto

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe alegria
E a dor que traz no coração...
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...
Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
(2x)Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr...

fonte: www.letras.terra.com.br

24 de out. de 2008

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O oeste é meu norte.

Outros que contem
Passo a passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes

22 de out. de 2008

curto meu corpo quando junto ao teu
corpo. Isso sim é algo novo.
músculos melhores, mais nervos.
curto o teu corpo,curto o que ele faz.
curto teu cosmos. e sentir a espinha,
curto teu corpo até o osso,tremida
-firme-lisa mente e que eu
de novo de novo de novo
beijarei. Curto beijar teu aqui e ali,
curto,tocar lento o,arrepio dos pêlos
elétricos,e o que vem sobre a carne
aberta...os olhos migalhas de amor.

quem sabe eu curto o tremor

sob mim você algo tão novo

e e cumming

21 de out. de 2008

?

Anteontem, eu era a perplexidade
Morrendo a solidão a dois,
Numa jaula de junco.
O tempo murchando impassível,
Em direção ao inevitável destino.
Indagava ao dia e à noite
O porquê de tudo, o porquê do nada.
E a resposta era o silêncio do monólogo travestido de sagrado.
Eu era o lobo arredio da estepe situado no cerrado,
Alimentando-me de restos de certezas,
Uivando para a lua imaginária,
Para que ela me iluminasse.

Ontem, a lua atendeu às minhas preces.
Veio a mão amiga, arrebentou as grades
E curou as marcas dos dentes da armadilha.
Deslumbrado com o espaço que me foi dado,
Eu quis segui-la como um cão domesticado,
Idolatrando aquela que me libertou.
Mas ela me esbofeteou a face lupina:
- Não se apegue por gratidão, segue em frente!
Eu sou apenas o espelho que te revelou a força de sua alma,
Grande demais para este mundo pequeno.

Hoje, vagando livre pela estepe travestida de cerrado,
Eu esbarrei em uma loba, errante como eu,
Sedenta de liberdade cúmplice como eu,
E levantei as orelhas, arregalei os olhos,
Senti o seu cheiro que me fez rodear e demarcar território.
Avancei destemido das dúvidas que assombram os solitários.
Ou foi ela que avançou?

Agora, deleito-me com a leveza da sua companhia.
Divirto-me com os nossos jogos de esconder e revelar.
Rio como há muito não ria a graça de sermos por inteiro.
Aconchego-me a ela e gozo cada milímetro de sua forma.
Copulamos como lobos e como humanos,
No desejo de permanecermos unidos,
Pêlo com pêlo, pele com pele, embriagados pelos três pontos de interjeição,
Ainda que tudo entre nós seja um ponto de interrogação.

c cardoso

20 de out. de 2008

Às vezes com a pessoa a quem amo
Fico cheio de raiva
Por medo de estar só eu dando amor
Sem ser retribuído;
Agora eu penso que não pode haver amor
Sem retribuição, que a paga é certa
De uma forma ou de outra.
(Amei certa pessoa ardentemente
e meu amor não foi correspondido,
mas foi daí que tirei estes cantos.)

Walt Whitman

fonte: isla negra.zoomblog.com

16 de out. de 2008

Hey Jude

Composição: John Lennon / Paul McCartney

Hey, Jude, don't make it bad,
take a sad song and make it better
Remember, to let her into your heart,
then you can start, to make it better.
Hey, Jude, don't be afraid,
you were made to go out and get her,
the minute you let her under your skin,
then you begin to make it better.
And anytime you feel the pain,
Hey, Jude, refrain,
don't carry the world upon your shoulders.
For well you know that it's a fool,
who plays it cool,by making his world a little colder.
Da da da da da da da da...

Hey, Jude, don't let me down,
you have found her now go and get her,
remember (Hey Jude) to let her into your heart,
then you can start to make it better.
So let it out and let it in,
Hey, Jude, begin,
you're waiting for someone to perform with.
And don't you know that is just you?
Hey, Jude, you'll do,
the movement you need is on your shoulder.
Da da da da da da da da...

Hey, Jude, don't make it bad,
take a sad song and make it better,
remember to let her under your skin,
then you'll begin to make it better
(better, better, better,better, better!)
Da, da, da, da da da, da da da,
Hey Jude...Da, da, da, da da da, da da da, Hey Jude...

fonte: www.letras.terra.com.br

o brasileiro prefere tv a livros

Hoje cedo, fui a uma clínica fazer exames médicos para confirmar o que eu já sei: tenho um bom coração, apesar do meu utilitarismo individualista. Fui lá, também, para verificar porque minha pressão, que normalmente permanece em um nível bom, tendendo para baixa, tem estado alta ultimamente, embora eu não seja banqueiro nem aplique na bolsa de valores. Como de costume, levei como acompanhante um livro: estou lendo a autobiografia de Eric Clapton, um dos meus músicos preferidos. Sempre estou com um livro na mão, lendo quando estou só ou à espera de algum evento. Enquanto aguardava ser atendido, lia, mas incomodado com o barulho da televisão que transmitia um daqueles programas matinais em que se entrevista o ator da novela do momento, aborda o último crime que chocou a cidade e depois ensina uma receita de um prato enviada por um telespectador. Parei para observar as pesssoas que também esperavam no saguão, umas vinte, em sua maioria atentas à tv. Notei que eu era o único que estava com um livro. E um determinado momento, um senhor de barba e cabelos longos e brancos, usando bermuda e tênis como um adolescente - provavelmente ele iria fazer um teste de esforço - passou a mão em um jornal e o folheou; depois, uma mulher sentou-se à minha frente e abriu uma revista semanal de notícias; um cidadão passou por mim com uma revista cujo conteúdo não vai além de fotos de celebridades em ocasiões de invejável lazer. É claro, não foi a primeira vez que observei a ausência do hábito de leitura das pessoas à minha volta, mas essa percepção sempre me desagrada profundamente, porque ela me lembra a razão do baixo senso crítico do meu povo, o que resulta, dentre as inúmeras possibilidades de errar nas escolhas que devemos fazer na vida, na eleição de representantes e governantes que jamais seriam escolhidos por pesssoas esclarecidas. É verdade que até a mim, que possuo um nível econômico privilegiado, assusta o preço dos livros. Dizem que o livro no Brasil é caro porque as pesssoas lêem pouco e as pessoas lêem pouco porque o livro é caro. Como escapar a esse círculo vicioso? Não sei a resposta precisa. Penso entretanto que é necessário baratear o preço, e, para tanto, a produção e a venda de livro não deve ser tributada e a produção de livros de bolso, com material mais barato, deve ser estimulada. Criar mais e mais bibliotecas públicas também é fundamental. Em vez de fomentar a compra de televisões (e automóveis), estimule-se a de livros, ou melhor, a aquisição de cultura. Quem sabe, assim, diminui o risco de o país ser conduzido por semi-analfabetos e por inescrupulosos que se aproveitam da ignorância.

11 de out. de 2008

Alguém disse que não gosta muito dos poemas que publico aqui, meus e dos outros, porque são tristes.  Alguns são mesmo, porque todos retratam a vida, e a vida não é só alegrias. Mas todos procuram alcançar profundidade. Tocar a substância. Como não se arrepiar com um poema como"A flor e a náusea", do gigante Drummond? Existencialista até a última letra, se de um lado ele causa angústia frente à inicial falta de sentido da existência que expõe, de outro ele se rende à esperança de que é possível superar tal absurdo dando sentido ao viver,  pela ação dirigida para a transformação do nada em ser, pela poesia que preenche o branco da folha, pela flor que fura o asfalto. Como não se alegrar com essa perspectiva, que é real?

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas. revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Carlos Drummond de Andrade

7 de out. de 2008

sede de viver

Bob Dylan tem razão: a dor é capaz de dar um toque de beleza a um rosto, porque a face que traz marcas suaves de sofrimento reflete vida bem vivida. Ora, não há vida sem dor porque não há vida sem envolvimento pleno, apaixonado mesmo, e não há esse tipo de envolvimento sem risco de perda e frustração, considerando-se que nada dura para sempre nem é exatamente como idealizado. Quem tem medo da dor tem medo de viver. E não adianta se proteger enclausurando-se, porque não escapará à mais dolorosa das sensações: a de estar-se morrendo minuto a minuto. Não se trata aqui de apologia da dor, que não sou masoquista. Trata-se de realismo, percebido bem pelos taoístas que vêm o positivo como complemento do negativo, o branco do negro, a noite do dia, o bem do mal, o ser do nada, o ying do yang...não existe um sem o outro. O valor da dor está no fato de que ela revela o valor do prazer. Estou entre os utilitaristas: é ético o que causa mais felicidade do que sofrimento a todos os que integram a relação, estabelecida com base na liberdade, na autonomia de vontade. Quando, na balança, a dor supera o prazer, algo está errado, é preciso reequilibrar a balança. Se, apesar do esforço, prevalece o sofrimento, o negócio é romper essa relação, seja com quem for, com o que for. E seguir em frente. Estou entre os que amam a vida e, por isso, apesar dos medos, em especial o de sofrer, não renuncio a ela. Antes, quero vivê-la plena e ser pleno no viver, como aconselha Fernando Pessoa.
"Behind every beautiful face there's been some kind of pain."

Bob Dylan

6 de out. de 2008

Que ser fascinante e, ao mesmo tempo, apavorante é o humano. Os seres humanos, tão distintos uns dos outros, apesar dos traços comuns. Eis uma boa pergunta: o que se destaca mais, a diferença ou a identidade? Impressionam os extremos: de um lado Hitler, com razão a maior encarnação do mal segundo o imaginário contemporâneo; do outro Gandhi, modelo de tolerância e de não-violência. É claro, nós todos temos algo de Dr. Jekill e de Mr. Hyde, e é hipocrisia afirmar que alguém é totalmente puro ou inteiramente corrupto. Não na espécie humana: nem Hitler era inteiramente mal nem Gandhi inteiramente bom. Chama a atenção, entretanto, o destaque que se dá na mídia à maldade humana. Um dia desses perguntei a uma jornalista o por quê e ela me respondeu que o jornalista tem a obrigação de informar a verdade, “doa a quem doer”, como diria o Boris Casoy. Eu não discordo dela, de jeito nenhum. Também acredito que o jornalista não pode jamais faltar com a verdade. Não por outra razão defendo de modo intransigente a liberdade de expressão e, consequentemente, de imprensa. Mas então, pelo ênfase dado ao que faz mal, cresce a sensação de que o mal tem prevalecido sobre o bem na maioria dos rounds, embora, até o momento sem knock out. O que provoca um pessimismo em nós, que não faz bem à saúde de ninguém. Durante um tempo, eu fiquei sem ler jornal de manhã cedo para não começar o dia com a sensação de que estava intoxicado pelo cheiro da putrefação humana. Por que , por exemplo, não focar mais a beleza e a genialidade de Machado de Assis à bestialidade de um Fernandinho Beira-mar? Que maravilha a atenção dada pela mídia ao centenário do falecimento do nosso escritor mais emblemático! Mas a regra é enfatizar a bandidagem, o que parece indicar que, na vida, brasileira pelo menos, se sobressai a corrupção e não a correção segundo a ética, a barbárie e não a civilização. Quem, com um mínimo de sensibilidade, em face da impotência, não se alienaria, inclusive por meio das drogas, legais ou não? Leiam Huxley! Ocorre que quem é consciente não é capaz de se alienar nem de se conformar, ainda que tente via álcool ou outras drogas. Devemos ir em frente como a vida requer, dispostos a vencer. Que a mídia valorize vencedores e quem quer vencer.

3 de out. de 2008

the nearness of you

Vale ouvir esta música na voz rouca e excitante de Norah Jones

Composição: Hoagy Carmichael / Ned Washington

It's not the pale moon that excites me
That thrills and delights me, oh no
It's just the nearness of you
It isn't your sweet conversation
That brings this sensation, oh no
It's just the nearness of you
When you're in my arms and I feel you so close to me
All my wildest dreams came true
I need no soft lights to enchant me
If you'll only grant me the right
To hold you ever so tight
And to feel in the night the nearness of you

fonte: http://www.letras.terra.com.br/

2 de out. de 2008

Olhos e bocas

Olhos redondos de espanto
Miram-me vermelhos e úmidos de dor
Por que? Diga-me o por quê
Eu que te amava tanto
Boca cerrada de ódio
Olhos desviando, olhos de horror
Azuis, verdes, castanhos, negros
Condenam-me a ser carrasco
Bocas mostrando os dentes, a língua
Boquiabertos, apontando-me o indicador
Você a empurrou do penhasco
Queda livre em direção do nada
Por que? Diga-nos o por quê
Ela que só pedia para ser amada
Um pouco, e ficou à míngua
A ver navio, vítima do delírio de um sonhador
Um louco, deseja ser livre, atacam-me em coro
Eu não fiz por mal, por falta de decoro
Foi a vida que me impôs a escolha: ou ela ou eu!
Bocas e olhos encaram-me perplexos
Sim, ou morria ela ou morria eu
Dizem os meus olhos, a minha boca
A voz firme embora rouca
De tanto dizer tudo passa só a morte não passa.

c cardoso

30 de set. de 2008

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,como um cego.
Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,a sangue e fogo.
Pablo Neruda

fonte: pensador.info

29 de set. de 2008

shana tova

Já agora, depois do entardecer, comemora-se o ano novo judaico ( rosh hashana). O ano é o de 5769. Uma história preciosa de um povo que muito tem sofrido, mas que também tem contribuído como poucos para um mundo mais alegre, mais próximo do ideal de felicidade. Quem pode negar a admirável contribuição de pessoas de origem judaica nos diversos campos da existência humana. Para começar, é de se citar Jesus Cristo, que dividiu a história em a.C e em d.C.. Muitos cristãos, os anti-semitas em especial, esquecem-se que ele era judeu. Ele e Paulo, que estruturou a base do cristianismo que conquistou Roma e o Ocidente. Depois, considerando a respeitabilidade do Prêmio Nobel, sugiro uma pesquisa no Google  acerca de quantos judeus foram agraciados com aquele prêmio, como reconhecimento e retribuição modesta pela colaboração com o progresso da Humanidade. Cito alguns a título de exemplo: Literatura - Henry Bergson, Boris Pasternak, Saul Bellow, Isaac B. Singer; Biomedicina - Sir Ernest Boris Chain (descobridor da penicilina, que salvou inúmeras vidas); Economia - Paul Samuelson, Milton Friedman; Física - Albert Einstein, Niels Bohr, Gustav Hertz, Richard Feynman. É desnecessário demonstrar a importância de Karl Marx e de Sigmund Freud para a cultura contemporânea, ainda que se discorde de um ou de outro. Nas artes em geral e no cinema em particular, responsáveis por grande parte do prazer de viver, a presença de judeus é marcante: Chagall, Segall, Mendelsohn, Leonard Bernstein, Isaac Stern, Yehudy Menuhim, os irmãos Gershwin, Bod Dylan, Marck Knoppler, Spielberg, Woody Allen... O que faz desse povo tão especial? Poderia sintetizar na capacidade de, como o pequeno jovem David, vencer desafios do tamanho de um Golias, graças à sua fé na capacidade do ser humano de se superar e evoluir. E de efetivamente contribuir para o avanço da humanidade. Temos que ser gratos ao povo de Israel, e desejar-lhe feliz ano novo: shana tova. 

26 de set. de 2008

Sao Paulo - SP

Estou passando o fim de semana em Sao Paulo. Muita gente nao compreende a fascinacao que tenho por esta cidade, que consideram caotica e feia. Nao entende porque alguem viria passar um fim de semana em Sao Paulo, em vez de ir para o Rio, ou para alguma praia do nordeste... eu sou um paulistano que sai de Sao Paulo muito novo, e verdade, mas sempre me senti em casa quando voltei a capital paulista. Lembro-me que a primeira vez que vi o filme Manhattan, do Woody Allen, foi em Sao Paulo, e eu fiz imediatamente uma relacao entre as duas cidades SP e NY, pela forca das duas, cada uma, e claro, com as caraceteristicas proprias dos seus mundos, em desenvolvimento e primeiro, respectivamente, mas tendo em comum o ser cosmopolita, o ser movida pela criatividade e pela vontade de vencer, o ser capitalista com os seu extremos bons e maus. Mais que tudo, pela sua gente diversificada, pela cultura conservadora ou vanguardista nas ruas, esquinas, teatros, museus...

24 de set. de 2008

She walks in Beauty

1
She walks in beauty, like the night
Of cloudless climes and starry skies;
And all that's best of dark and bright
Meet in her aspect and her eyes:
Thus mellowed to that tender light
Which heaven to gaudy day denies.
2
One shade the more, one ray the less,
Had half impaired the nameless grace
Which waves in every raven tress,
Or softly lightens o'er her face;
Where thoughts serenely sweet express,
How pure, how dear their dwelling-place.
3
And on that cheek, and o'er that brow,
So soft, so calm, yet eloquent,
The smiles that win, the tints that glow,
But tell of days in goodness spent,
A mind at peace with all below,
A heart whose love is innocent!

Lord Byron
"I can never get people to understand that poetry is the expression of excited passion, and that there is no such thing as a life of passion any more than a continuous earthquake, or an eternal fever. Besides, who would ever shave themselves in such a state?" Lord Byron, in a letter to Thomas Moore, 5 July 1821

23 de set. de 2008

Sobre a liberdade

Não sou de esquerda, apesar de ter citado Brecht. É que a repulsa à alienação está acima de orientação política. Não me enquadro em nenhuma corrente política, porque o enquadramento é sempre restritivo, mas, se adotarmos a distinção feita por Bobbio entre esquerda e direita, certamente não sou de esquerda. Pela simples razão de que, entre prestigiar a liberdade e privilegiar a igualdade, eu fico com a liberdade, sempre, e não admito que ela seja eliminada ou limitada em nome da igualdade. O único limite da liberdade deve ser a liberdade do outro, regra elementar. A liberdade não deve ser vista como sinônimo de irresponsabilidade nem de ausência de normas. Aquele que causar dano a terceiro deve ser responsabilizado na medida do dano; o que violar a lei deve ser apenado na exata proporção que afaste dele e da sociedade a sensação de impunidade, como já ensinava Beccaria. Ao Estado cabe a justiça, a saúde, a educação e a segurança, lição do Liberalismo do Século XVIII, atualíssima. Tudo de modo a propiciar a igualdade de oportunidades sem eliminar a meritocracia, estimulando uma competição saudável. Os partidos cujo discurso supervaloriza a igualdade ( ex. PT), em geral não valorizam o mérito mas a filiação partidária. Penso que o Estado deve ser mínimo e não deve substituir a sociedade civil ( ONGs ligadas a gente do governo ou que vivem às custas do contribuinte também não). Primeiro, porque o Estado gigante, para se sustentar, rouba recursos da sociedade civil, de quem empreende e cria o desenvolvimento, e é um ente que tende à corrupção e ao totalitarismo; segundo, porque as pessoas que se pretendem adultas não precisam de tutela, não deveriam precisar. O cidadão consciente, o que se faz respeitar e, por isso, é o que merece respeito, assume a liberdade e a responsabilidade que dela decorre, governa o seu destino e participa da condução dos rumos do planeta, delegando apenas o indispensável àqueles que se dizem nossos representantes mas que não trabalham por nenhum interesse que não o deles. Sobre a liberdade, recomendo a leitura de John Stuart Mill.

22 de set. de 2008

O analfabeto político

"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." Nada é impossível de Mudar"Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar."

B. Brecht
"Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos, e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis." [ Bertold Brecht ]

20 de set. de 2008

Carlos Santana

Sou um apaixonado pela música anglo-saxã: pop-rock, jazz, standards...Encantam-me os Gershwin, Cole Porter, Leornad Berstein, The Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple, Queen, The Who, Eric Clapton Dire Straight, U2, Pearl Jam, Coldplay, Norah Jones, e por aí vai... Mas um musico mexicano tem me impressionado especialmente: Carlos Santana. Sua guitarra faz o pior dos dançarinos - eu - sair chacoalhando os quadris. É de uma latinidade - como sinônimo de ritmo  sensual - sem igual. Fiquei orgulhoso, alegre. Precisamos mesmo elevar a nossa auto-estima, porque não há motivo para ela estar abaixo da de outros grupos. Mas, o que mais chama a atenção é a capacidade de Carlos Santana conjugar com naturalidade em um único universo brancos e negros, hispânicos e anglo-americanos. Ele faz crer que é possível a convivência harmônica dos diferentes, bastando se entregar  ao ritmo da música, e que música ele é capaz de dedilhar na sua guitarra! Ele me fez mais otimista em relação à possibilidade de vivermos com e entre pessoas de diversas nacionalidades, crenças, e etnias; de o mundo se transformar efetivamente em um mundo global sem barreiras que não o mérito. Carlos Santana é um panfleto vivo a favor da tolerância!

Trovadores

Em um país onde pouco se lê - até porque o preço dos livros é absurdo -, o melhor meio de espalhar poesia é a música. Nossos poetas mais conhecidos e admirados são trovadores, e temos muitos e excelentes: Vinícius, Tom, Chico, Caetano. Djavan, Osvaldo Montenegro, Raul Seixas e Paulo Coelho, Renato Russo, Cazuza e Frejat, Arnaldo Antunes e os Titãs, o pessoal do Rappa, só para citar alguns brasileiros que merecem ser ouvidos mas também lidos. E se a poesia já por ser poesia é bela, com música então!!! Esses trovadores tornam nossas vidas mais suportáveis, porque trazem a ela beleza, mesmo que triste ou questionadora. Importa que afastam o tédio e fazem dançar corpo e alma. Danço, logo existo.



16 de set. de 2008

Embriague-se de vinho, de poesia ou de virtude.

Embriague-se. É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão.Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: "É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser".

Charles Baudelaire

Soneto do Vinho

Em que reino, em que século, sob que silenciosa

Conjunção dos astros, em que dia secreto

Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa

E singular idéia de inventar a alegria?

Com outonos de ouro a inventaram.

O vinho flui rubro ao longo das gerações

Como o rio do tempo e no árduo caminho

Nos invada sua música, seu fogo e seus leões.

Na noite do júbilo ou na jornada adversa

Exalta a alegria ou mitiga o espanto

E a exaltação nova que este dia lhe canto

Outrora a cantaram o árabe e o persa.

Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história

Como se esta já fora cinza na memória.



Jorge Luis Borges

vinhos

"Os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram."
Cícero

15 de set. de 2008

Celebrar a liberdade

Vamos celebrar a liberdade, conclamam Eric Clapton e sua guitarra mágica acompanhada da não menos mágica guitarra de Carlos Santana na música Day of Celebration. É necessário celebrar a liberdade para nós, nossos filhos e netos, dançando, cantando, como se fossemos ex-escravos. Mais do que festejar, é fundamental defendê-la como defendemos a própria vida, porque vida sem liberdade vida não é, é morte por derramamento lento e incontido de sangue: liberdade de ir e vir, de crença religiosa e de convicção política, de exercer uma profissão, de associação, de reunião e, especialmente, de expressão. Destaco a liberdade de expressão porque, a partir do momento em que se coíbe o direito de se manifestar um pensamento, seja qual for a forma de expressá-lo, a supressão das outras liberdades é uma consequência natural, tendo em vista que não se poderá revelar a indignação nem argumentar contra o arbítrio. Todos os meios de expressão devem ser tolerados, do grito de revolta ao de prazer; da nudez contra o uso de peles de animais ao corpete de couro trajado por fetiche; do grafite colorido nos muros às charges em preto e branco nos jornais; do Mein Kempt ao Das Kapital... Só a liberdade de expressão oferece o livre acesso à informação e ao conhecimento, e, por conseguinte, à livre escolha, essencial ao adequado funcionamento da melhor forma de governo conhecida: a democracia. Não é à-toa que a primeira coisa que os fundadores de regimes autoritários fazem, como o hitlerista e o marxista, é eliminar a liberdade de expressão, fechando jornais, queimando livros, e encarcerando livre-pensadores e artistas. Por essa razão, deve-se estar atento em relação a apelos moralistas a favor da censura, sob a máscara do politicamente correto.

4 de set. de 2008

"Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo"

Michel Foucault

3 de set. de 2008

Iniciação filosófica

"A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que eu sou, que estou descurando, que deverei fazer?"

Karl Jaspers
"O homem está condenado a ser livre"

Jean Paul Sartre

31 de ago. de 2008

sabedoria

Não sejamos muito exigentes;
nem sempre a Sorte é acessível
a todo mundo, a toda gente.
Ela é só dos menos sensíveis,
ou dos ricos, naturalmente...
Não desejemos o impossível.
Devemos estar contentes
de ser quem somos: simplesmente
namorados intermitentes
loucamente se namorando 
de vez em quando.
E já é uma grande coisa a gente
ser dois, à parte, entre os mortais,
dois que se bastam mutuamente
e não se aborrecem demais.
E se somos mais exigentes,
se às vezes a alma ainda se sente
solteira e triste, isso é explicável:
temos um gênio insuportável...
ou somos muito inteligentes.

Paul Géraldy

26 de ago. de 2008

Ave Maria

Salve Maria Cheia de Graça
A vida conspire convosco
Bendita sois vós entre as musas
Bendito é o fruto das vossas indagações,
[veritas
Não me deixeis viver na escuridão
E livrai-me da solidão
Amém

c cardoso

22 de ago. de 2008

O Mistério das Cousas - mais uma do poeta filósofo

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas

Alberto Caeiro

21 de ago. de 2008

Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro

18 de ago. de 2008

While my guitar gently weeps - George Harrison

I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at the floor and i see it needs sweeping
Still my guitar gently weeps

I don't know why nobody told you how to unfold your love
I don't know how someone controlled you
They bought and sold you

I look at the world and i notice it's turning
While my guitar gently weeps
With every mistake we must surely be learning
Still my guitar gently weeps

I dont know how you were diverted
You were perverted too
I dont know how you were inverted
No one alerted you

I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
Look at you all...
Still my guitar gently weeps

17 de ago. de 2008

Ei garota, você me entende ou não? 
Fiquei na minha, porque você
Não disse nem que sim nem que não.
 Olhou de lado olhar dilatado
O que sua boca silenciou, 
sorrindo dentes perfeitamente brancos.
Eu não soube se você me entende ou não.
Raspei a cabeça
Deixei a barba crescer curtinha
Tatuei o sol no braço esquerdo
A lua no direito
Tudo pra chamar a sua atenção
E você não diz nem que sim nem que não
Esquece até o meu convite pro seu restaurante preferido
Mas fique certa que não estou ferido.
Porque sou poeta e o esquecimento pro poeta é o imemorável
E o nosso vinho será rock 'n roll.

c cardoso



13 de ago. de 2008

Adeus

A cabeça vira
No travesseiro, revira
O ouvido escuta
Na pressão da orelha
O coração socar o travesseiro
Cadê o sono, cadê?
Você ao lado dormindo sonora
Um mosquito zumbindo alto
A madrugada transformando a noite em tormento
Sob o lençol cabeça e ouvido giram
Você não vê, vê?
Hiberna esperando o mal tempo passar
O inverno não passará, não para nós
Eu vou passar como alguém que amou por inteiro
Mas agora não, não mais!
A hora não passa
O tempo me escapa
Eu preciso dizer adeus
Mas a voz calada
É a alma sufocada
Você precisa entender, acorda!
Eu vou partir
Em algum lugar uma guitarra melancólica berra
O meu coração pulsa
Para quem quiser ouvir
E não é por amor.


c cardoso

12 de ago. de 2008

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

7 de ago. de 2008

Assim falou Nietzsche

"Você precisa estar pronto para se queimar em sua própria chama: como você pode se tornar novo, se não se transformar primeiro em cinzas?"

'O que não me mata, fortalece-me"

Nietzsche

Soneto de Agosto

Tu me levaste, eu fui... na treva, ousados
Amamos, vagamente surpreendidos
Pelo ardor com que estávamos unidos
Nós que andávamos sempre separados.

Espantei-me, confesso-te, dos brados
Com que enchi teus patéticos ouvidos
E achei rude o calor dos teus gemidos
Eu que sempre os julgara desolados.

Só assim arrancara a linha inútil
Da tua eterna túnica inconsútil...
E para a glória do teu ser mais franco

Quisera que te vissem com eu via
Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco.

Vinicius de Moraes

5 de ago. de 2008

Liberdade

Paul Éluard


Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

Tradução: Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira

Liberté

Liberté



Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J'écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom

Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom

Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom

Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom

Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom

Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom

Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté.

Paul Éluard
"Nada existe de grandioso sem paixão"

F. Hegel

4 de ago. de 2008

"Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz".

Vladimir Maiakovski

LES FEUILLES MORTES

LES FEUILLES MORTES

paroles: Jacques Prévert

musique: Joseph Kosma



Oh! je voudrais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis

En ce temps-là la vie était plus belle,

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Tu vois, je n'ai pas oublié...

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du nord les emporte

Dans la nuit froide de l'oubli.

Tu vois, je n'ai pas oublié

La chanson que tu me chantais.



REFRAIN:

C'est une chanson qui nous ressemble

Toi, tu m'aimais et je t'aimais

Et nous vivions tous deux ensemble

Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais

Mais la vie sépare ceux qui s'aiment

Tout doucement, sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Les pas des amants désunis.



Les feuilles mortes se ramassent à la pelle,

Les souvenirs et les regrets aussi

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie

Je t'aimais tant, tu étais si jolie,

Comment veux-tu que je t'oublie?

En ce temps-là, la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n'ai que faire des regrets

Et la chanson que tu chantais

Toujours, toujours je l'entendrai!

3 de ago. de 2008

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem-comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
                    [protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
                                                    [cunho vernáculo de um vocábulo  

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarimos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
                                                                                           [mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade  tabela de co-senos secretário do amante
                [exemplar com cem modelos de cartas e diferentes 
                [maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

31 de jul. de 2008

Rotina

Detesto rotina, mas o poema declamado na propaganda da Natura, sobre o tema, faz-me até pensar que seguir uma rotina, no fim das contas, não é tão mal assim. O autor, muita gente está tentando descobrir na internet. Enquanto isso, peço licença para transcrever.

Rotina… (do comercial da Natura)

A idéia é a rotina do papel.
O céu é a rotina do edifício.
O inicio é a rotina do final.
A escolha é a rotina do gosto.
A rotina do espelho é o oposto.
A rotina do perfume é a lembrança.
O pé é a rotina da dança.
A rotina da garganta é o rock.
A rotina da mão é o toque.
Julieta é a rotina do queijo.
A rotina da boca é o desejo.
O vento é a rotina do assobio.
A rotina da pele é o arrepio.
A rotina do caminho é a direção
A rotina do destino é a certeza.
Toda rotina tem a sua beleza

27 de jul. de 2008

Brincando com o tempo

Bricando com o tempo

TEM
TEMPO?
SEM
TEMPO!
 EM
TEMPO:
         PORRA...

c cardoso

quadrilha - variação do tema drummondiano

Quadrilha – Uma variação sobre o tema drummondiano


Teresa amava Raimundo que amava Maria
Que pensava que amava Joaquim que não sabia se amava Maria
Porque desejava Lili que não amava ninguém.
Teresa chorou a crueldade e a falta de sentido do adeus, mudou-se
Raimundo tomou um porre ou dois ou muitos, depois do adeus e do não, resignou-se
Maria disse não para dizer sim e foi atrás do sonho de Joaquim, viajou
Se sofreu ninguém notou
Joaquim, na dúvida, respondeu sim, para não ouvir não
Melhor não trocar o certo pelo duvidoso, filosofou
Lili, de paixão não sofria, divertia-se
Saía com J. P. F. que preferia rapazes.

c cardoso

24 de jul. de 2008

Amar - mais Drummond

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

poesia - Drummond

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Carlos Drummond de Andrade

22 de jul. de 2008

O pássaro cativo

Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar ?
É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender ;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
“Não quero o teu alpiste !
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti !
Não quero a tua esplêndida gaiola !
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol !
Com que direito à escravidão me obrigas ?
Quero saudar as pompas do arrebol !
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas !
Por que me prendes ? Solta-me covarde !
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar ! voar ! ... “
Estas coisas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão ...

Olavo Bilac

21 de jul. de 2008

Batman, o cavaleiro das trevas

Eu, na adolescência, não dava a menor importância a histórias em quadrinhos. Pareciam-me infantis. Os heróis, super-heróis, que me impressionaram estavam nas telas, não nos quadrinhos. Super-Homem, Homem-Aranha, Homem de Ferro, Batman, eu os conheci pela televisão, nas séries e nos desenhos animados. Eu cresci junto com a TV no Brasil, vendo TV, fascinado pelas histórias contadas por meio de imagens em movimento. Um movimento ainda ingênuo e maniqueísta, onde os heróis eram inteiramente bons e os bandidos maus. Isso não me fez um ingênuo nem um maniqueísta. Fez-me desconfiar dos super-heróis. Nada é tão simples. Em um determinado momento da vida, os quadrinhos interessantes eram os do Manara, os da revista Heavy Metal, Mad e Asterix. Perdoem-me os admiradores do gênero. Foi o meu filho, um grande especialista em HQ e colecionador desde pequeno, que me ensinou a respeitar os quadrinhos e me apresentou Neil Gaiman e Frank Miller. Eu ainda prefiro o Gaiman contista, não consegui entender bem as viagens de Sandman. E ainda fico com os super-heróis e seus inimigos lutando na tela. Gostei do Homem-Aranha, e particularmente do Homem de Ferro interpretado por Robert Downey Jr. de modo hipnotizante ( o desenho era um dos meus preferidos na infância). Vi, sexta-feira, Batman, o cavaleiro das trevas. Muito bom! Gothan City, dominada por quadrilhas, parece-nos muito familiar. Em tempos de trevas, quando o Estado é ineficiente e controlado por corruptos, é necessária a presença de um justiceiro, que faz justiça com as próprias mãos seguindo regras próprias. Ele é Batman, venerado e odiado pelos cidadãos de bem da cidade. Mas Batman está cansado do seu papel, quer uma vida comum, quer e confia que o Estado, na figura do promotor incorruptível, assumirá a função de promover a justiça, segundo as leis, e Gothan não necessitará mais dele. Deseja um tempo de luz. Mas o Estado continua falhando, sob o deboche do Curinga. O promotor é vítima da incompetência estatal e da ironia do Curinga, abandona os ideais, e mergulha na amargura e no desejo de vingança, como Duas Faces. O justiceiro permanece indispensável. Christian Bale está muito bem no papel de homem-morcego, expressando convincentemente as angústias do herói. Do filme participam excelentes atores, mas a interpretação memorável fica por conta de Heath Ledge. Este ator, morto prematuramente, encarna tão espetacularmente a maldade e o sacarsmo do Curinga que, aposto, leva um Oscar. Aprendi com o meu filho que HQ também é arte, que na tela do cinema ganha côr especial. Meu filho me ensina a superar preconceitos.

14 de jul. de 2008

autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa

13 de jul. de 2008

garimpar poesia

Poucas atividades são tão prazerosas quanto o garimpar poesia para saboreá-la e compartilhá-la; Esta é uma das propostas deste blog. Encontrei, entre outras, esta preciosidade:

Escuridão, minha origem,
amo-te mais que a chama,
que é limitada,
porque só brilha
num círculo qualquer
fora do qual ninguém a conhece.

Mas a escuridão tudo abriga,
figuras e chama, animais e a mim,
e ela também retém
seres e poderes

E pode ser uma força grande
que perto de mim se expande

Eu creio em noites

Rainer Maria Rilke

E também esta:

Cantiga para não morrer

Quando você for embora,
Moça branca como a neve
Me leve.

Se acaso você não possa
Me carregar pela mão
Menina branca de neve,
Me leve no coração.

Se o coração não possa
Por acaso me levar,
Moça de sonho e de neve,
Me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
Por tanta coisa que leve
Já viva em seu pensamento,
Menina branca de neve,
Me leve no esquecimento.

Ferreira Gullar

1 de jul. de 2008

Deus é um sujeito com humor duvidoso

Deus é um sujeito com humor duvidoso.
Quem realmente compreende
qual é a desse senhor,
ora alegre ora irado?
Parece testar a criação o tempo todo
para ver quem vai tropeçar provocando na trindade e em seu exército riso
e no seu rebanho horror;
parece provar a todo momento quem vai se sair vencedor,
superando todas as tentações que ele gosta de fincar no caminho dos míseros
mortais,
Cuja queda ele jocosamente repreende.
E os que caírem se juntarão à imensa maioria de clowns ou pinóchios que fazem da dor
O gozo nos teatros freqüentados pelos eleitos santos;
o resto, algo próximo dos anjos, mas sem a graça daqueles anjos que não se conformam
e que não são tantos
desejam se jogar dos céus só para se sentirem humanos que doidamente amam,
especiais.
Deus tem uma diversão non sense.
Algo bem darwinista, sempre acusando que não estamos prontos.
E eu estou farto dele, porque enquanto ele se diverte, eu sofro.
Nós agonizamos entre encontros e desencontros,
Entre o sim e o não, entre a lucidez e a insanidade. Pense!
Por que, contra todas as regras que ele gosta de alardear por seus padres e pastores, rabinos e mulás, escritas em tábuas milenares,
ele aproximou de Betsabé o rei Davi?
Para confundir amor e ódio? E culpa? Condenação!?
Ou para gerar a sabedoria e a riqueza de Salomão?
Estranho deus, eu nunca vi.
Deixe-me em paz, seja o seu nome qual for:
Zeus, Javé, Alá, Tao, Brahma, Buda amida...
E tolera me ver saciar a minha fome do sabor
do fruto da árvore da ciência
Do bem e do mal, da vida!

c cardoso

20 de jun. de 2008

Todos os homens são judeus

Todos os homens são judeus


Para Bernard Malamud

Ouve ó Israel,
Eu sou judeu,
Minha mãe não, mas eu sou!

Saudoso do deus inexistente,
Vago estrangeiro de quarentena no deserto,
Em busca da Terra em que mana leite e mel,
Esperançoso do fim da interminável guerra dos dementes
E do encontro com a razão prometida no tempo das Luzes.

Persigo insistente a verdade oculta,
O justo, o belo, Talião, Nobel.
Por isso muitos me olham atrevessado.
Zombando das minhas feições tão germânicas quanto etíopes,
Do gordo vestindo Armani e com charuto cubano na mão,
Do famélico trajando listas e estrela num campo de concentração.

Ah! o rancor e a inveja...

É necessário rir. O riso é já vitória.
Rio de mim, rio do outro,
Em homenagem à grande comédia
Vida!
Riso que se segue ao choro,
Às vestes rasgadas, às cinzas lançadas às costas em sinal de luto,
Pelas mentes e pelos corpos arremessados nas covas coletivas.

Por que tanta inveja e tanto rancor?

Tolice! Sua mãe não é judia
Mas você é judeu, como eu.
Como todos os homens
Vagando pelo deserto
Ansiando por Israel.


20.6.2008

c cardoso

11 de jun. de 2008

Eu sou judeu

"All men are jews, though few men know it" Bernard Malamud

5 de jun. de 2008

metade

Metade
Oswaldo Montenegro

E que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
E a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
A outra metade é a canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

28 de mai. de 2008

A pérola - experiência com o concretismo

A concha (re)pousa
No
(pro)fundo
do
mar

abrE/Fecha


A pérola s’esconde
No
(re)canto
da
concha

aparecE/Some


A pérola na concha
Encolhida
Não colhida

L o n g e da pele feminina

É areia envolta de nácar

c cardoso

26 de mai. de 2008

presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, o ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma
janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso saudade para eu te sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa
da vida
Mas quando surges és tão outra e múltipla e
imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato..
E eu tenho de fechar os meus olhos para ver-te!

Mário Quintana

21 de mai. de 2008

dr. House

Sempre me pergunto o que faz de House um personagem tão fascinante; conheço várias pessoas que adoram o House, um cara seco, cruel com quem trabalha com ele (todos torcemos pela Cameron e achamos Chase um idiota), e, pior, duro com seus pacientes; alguém que não mede palavras, sem a menor preocupação de ser antipático, de aliviar a dor; alguém cuja miséria é proporcional ao seu ego, e que possui total carência de fé na espécie humana. Por que a personalidade de House nos atrai tanto (interrogação). Talvez porque para o House o que importa é a verdade, independentemente de suas conseqüências. Para ele, não importa a cura, interessa o diagnóstico; se, a partir do diagnóstico encontrar-se a cura, tanto melhor. E, ainda assim, ele cura e se sai imune em relação àqueles que desejam impor a mentira. É um artista da verdade porque, apesar do seu ceticismo, ele propala otimismo, ele prega a favor da razão. Ele nos ensina que não devemos nos contentar com pouco, isto é, como o que nos pregam como inquestionável. Nem deus é inquestionável...Viva House

18 de mai. de 2008

escritores: Henry e Anais

Acabo de rever "Henry e June" de Philip Kaufman, o mesmo diretor do maravilhoso "A insustentável leveza do ser", que também necessito rever. Um filme memorável pela beleza plástica - uma Paris cinzenta, com bares e bordéis repletos de fumaça de cigarros e vielas ou becos dominados pela neblina do outono e inverno - e pela pujança da história baseada no romance de Anais Nin. Na verdade, o título poderia ser "Henry e Anais", a história da relação entre dois escritores - da autora com Henry Miller - fundamental para a obra de um de outro. Esses escritores, que reconhecem D. H. Lawrence como um marco na literatura contemporânea por quebrar tabus, enfatizaram que o sexo não é algo impuro mas, ao contrário, parte inseparável da inocência, o que, para uma sociedade embasada no puritanismo de Paulo, soa absurdo. Miller sob o ponto de vista masculino e Anais Nin sob o feminino, o que a torna um paradigma literário. Não sem razão, a obra de Miller, americano de origem alemã que se auto-exilou na França na primeira metade do século passado, não ter sido publicada nos Estados Unidos durante décadas. Ainda bem que existem Paris e franceses, como até o new yorker Woody Allen admite. Ainda bem que existem os EUA e americanos como Miller e Allen. E o próprio Kaufman, que também é americano. Porque, no fim, são eles que hoje revelam o artista para o mundo. Apesar de todos os defeitos da "América", eu concordo com o Caetano: grande parte da alegria do mundo vem dos americanos. O puritanismo não impediu o florescimento da rica literatura americana; talvez o catolicismo tenha prejudicado mais o despontar da nossa literatura luso-brasileira. O mais interessante na relação Anais Nin & Henry Miller foi a capacidade de um excitar a obra do outro, como se um injetasse sangue em ebulição na veia do outro, e daí um e outro extraíssem arte pura. Vale, a partir do filme, ler as obras desses escritores, "Trópico de Câncer", de Miller, para começar, e "Henry e June" de Anais Nin. Nin também tem um livro muito interessante, de ensaios, chamado "Em busca de um homem sensível", que mostra a dificuldade das mulheres lidarem, ainda hoje, com homens que não pretendem dominá-las. Salve, então, Henry e Anais.

3 de mai. de 2008

Ode à Alegria, de F. von Shiller, cantada na 9 de Beethoven

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!
(Barítonos, quarteto e coro)
Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Teus encantos unem novamente
O que o rigor da moda separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu vôo suave.
A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se conosco!
Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos dá beijos e as vinhas
Um amigo provado até a morte;
A volúpia foi concedida ao verme
E o Querubim está diante de Deus!
(Tenor solo e coro)
Alegres, como voam seus sóis
Através da esplêndida abóboda celeste
Sigam irmãos sua rota
Gozosos como o herói para a vitória.
(Coro)
Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.
Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes ao Criador?
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.

1 de mai. de 2008

Acreditem, este poema integra a Bíblia!

"Como és bela e graciosa   
ó meu amor, ó minhas delícias!
Teu porte assemelha-se ao da palmeira,
  de que teus dois seios são os cachos.
'Vou subir à palmeira, disse eu comigo mesmo,
   e colherei os seus frutos'.
Sejam-me os teus seios
    como cachos de vinha.
E o perfume de tua boca como o odor das maçãs;
     teus beijos são como um vinho delicioso
que corre para o bem-amado,
      umedecendo-lhe os lábios na hora do sono."

 Cântico dos Cânticos 7, 7-10

É interessante ler todo o cântico atribuído a Salomão e surpreender-se com o erotismo do texto, algo inacreditável em face da ação castradora do cristianismo.

30 de abr. de 2008

Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la. Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas. O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre. Clarice Lispector

26 de abr. de 2008

24 de abr. de 2008

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silverlight,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on may dreams.

Parte deste belo poema de W. B. Yeats é mencionada no filme "Equilibrium", uma estória utópica, de um lugar em que era proibido ter sentimentos porque os sentimentos humanos seriam as causas da desordem, das guerras, da miséria, das injustiças, dos males do mundo enfim. Recomendo.

23 de abr. de 2008

Me acompanha
Minha jornada é sem rumo, não tema
Carro na estrada sem faixas contínuas
Longa reta ligando a curva do horizonte
Janelas bem abertas e o vento

Me acompanha
A jornada é solitária, é minha
precisa ser minha
há trechos que não,
há trechos que é bom estar junto

A jornada é partilha, é nossa


Me acompanha
Não sou má companhia
Sei quando é momento de ficar em silêncio
Para não perturbar as árvores tortas, as planícies nuas, os nelores alvos
E os seus pensamentos sutis
Sei também filosofar bobagens que não mudam o mundo
Mas transformam o tempo de viagem em despercebido
E ouvir você prosseguir falando se quiser
Contando histórias que não sei se verdade ou fantasia
Que afastam o sono sem sonho


Se deseja pode repousar sua cabeça no meu colo para ver o sol se pondo

Me acompanha
A Estrada tem bifurcação
Cruzamento
Fim
Eu não quero que ela tenha fim!
Se cansar, você pode sair pela esquerda
Me abandonar no cruzamento
Ou seguir ao meu lado só
Ligados pela conspiração do destino

Me acompanha, nós somos livres!

23.04.2008
c. cardoso

22 de abr. de 2008

PARA SER GRANDE, sê inteiro: nada
       Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
       No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
       Brilha, porque alta vive.

Fernando Pessoa

Este poema é perfeito, mostra ( não tem o poeta a pretensão de ensinar nada) na medida certa, sem tirar nem por, porque uns são grandes e outros estão longe disso.

17 de abr. de 2008

Reli "1984", de George Orwell, depois de ler "A Revolução dos Bichos". São duas obras que cumprem à risca o papel de uma obra de arte: não apenas provocam prazer estético; perturbam, e de tal modo que, após o contato com elas, é impossível permanecer conformado. Ambas trazem com tema fundamental a liberdade, que, em regra, não recebe o devido valor daqueles que nunca foram vítimas da opressão, embora, também não raramente, venha a ser violentada por quem desejou muito possuí-la. A primeira obra trata de uma sociedade sem liberdade para amar, sem liberdade para pensar e criar, sem liberdade para discordar, sem liberdade para ir e vir, sem liberdade para preservar a intimidade, ou seja, sem liberdade para ser humano em toda a sua dimensão e individualidade. É a sociedade dominada pelo partido único, monopolizador das idéias, único detentor da verdade por ele estabelecida e restabelecida conforme a sua conveniência. É a sociedade conduzida por um mito, encarnado no grande lider carismático, o "Big Brother", cuja imagem é estampada em todos os cantos e cuja voz é um discurso falacioso, acalentador para os mal informados, aterrorizante para os cientes, uma pregação que chega a ofender a razão quando não se está alienado. Será que se a maioria das pessoas soubesse o que representa o "Big Brother", ela dominaria o seu voyeurismo e se indignaria com um programa permeado pelo espírito sufocante desse ente tirano? O outro livro cuida da luta pela liberdade embasada em ideais igualitários logo abandonados por ocasião da conquista do poder. Os lideres e os seus próximos tornam-se sempre mais iguais do que os outros e passam a agir de modo até mais censurável do que os antigos detentores do poder. Há muito de Orwell em filmes como "Matrix" e "Equilibrium". Orwell, ao escrever esses livros extraordinários, teve em mente especialmente o regime stalinista. Mas eles são um alerta contra qualquer regime autoritário, de direita ou de esquerda. Eles merecem ser revisitados, particularmente, por nós latino-americanos, para que fiquemos atentos neste momento em que algumas lideranças e partidos, que se intitulam revolucionários ou messiânicos, vão ocupando espaço no continente e agredindo, uns de forma explícita, outros de forma velada, as liberdades individuais. Recomendo, ainda, uma outra utopia, também apontada como negativa, mas que também é um sinal amarelo: "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley.
"E melhor ser uma criatura humana insatisfeita do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito" J. S. Mill

16 de abr. de 2008

"I have no right to call myself one who knows. I was one who seeks, and I still am, but I no longer seek in the stars or in books; I'm beginning to hear the teachings of my blood pulsing within me." Hermann Hesse

12 de abr. de 2008

Quebrar o ovo…destruir um mundo. A todo instante a vida está oferecendo mudanças para que a estagnação e o tédio não dominem a existência, transfomações mínimas em alguns momentos, revoluções em outros. Pequenas mudanças são, habitualmente, bem-vindas; as radicais provocam, quase sempre, medo, quando não pânico. Tem alguma relação com a preservação da espécie, com o instinto de sobrevivência que nos leva a assumirmos posturas conservadoras. Porém, em diversas situações, a preservação depende da ousadia. E sobreviver não é o bastante, é necessário existir, e existir em plenitude. Buscamos ansiosamente a estabilidade: na família; no trabalho, nas finanças, em uma construção religiosa ou filosófica dogmática…mas a estabilidade conquistada jamais sacia. Porque, nada é verdadeiramente estável; tudo passa, já dizia Teresinha de Jesus, embora ela ressalvasse Deus. Por isso, a estabilidade é incapaz de suprimir as angústias advindas do ser, daquele ser que deseja mais do que retornar ao pó depois de ter sido conduzido uma vida inteira por cordas invisíveis manipuladas por um deus com um humor bipolar. Se queremos controlar os nossos passos, e deixar os seus rastros na Estrada – conscientes de que, um dia, também eles se apagarão - , não podemos temer a instabilidade, porque é dor inútil ir de encontro ao inevitável. E se pretendemos avançar de modo efetivo, para, no final dos dias, suspirar que valeu a pena, precisamos de coragem para agir quando se deve agir e destruir o velho para permitir o nascimento do novo. Não que tudo o que é velho mereça ser substituído pelo novo. Mas tudo pode e deve ser transformado em algo melhor, sob pena de ser extinto pela implacável evolução.