20 de fev. de 2011

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Para que minhas poesias não fiquem escondidas no fundo do baú do blog, eu as republico:

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Anteontem, eu era a perplexidade
Morrendo a solidão a dois,
Numa jaula de junco.
O tempo murchando impassível,
Em direção ao inevitável destino.
Indagava ao dia e à noite
O porquê de tudo, o porquê do nada.
E a resposta era o silêncio do monólogo travestido de sagrado.
Eu era o lobo arredio da estepe situado no cerrado,
Alimentando-me de restos de certezas,
Uivando para a lua imaginária,
Para que ela me iluminasse.

Ontem, a lua atendeu às minhas preces.
Veio a mão amiga, arrebentou as grades
E curou as marcas dos dentes da armadilha.
Deslumbrado com o espaço que me foi dado,
Eu quis segui-la como um cão domesticado,
Idolatrando aquela que me libertou.
Mas ela me esbofeteou a face lupina:
- Não se apegue por gratidão, segue em frente!
Eu sou apenas o espelho que te revelou a força de sua alma,
Grande demais para este mundo pequeno.

Hoje, vagando livre pela estepe travestida de cerrado,
Eu esbarrei em uma loba, errante como eu,
Sedenta de liberdade cúmplice como eu,
E levantei as orelhas, arregalei os olhos,
Senti o seu cheiro que me fez rodear e demarcar território.
Avancei destemido das dúvidas que assombram os solitários.
Ou foi ela que avançou?

Agora, deleito-me com a leveza da sua companhia.
Divirto-me com os nossos jogos de esconder e revelar.
Rio como há muito não ria a graça de sermos por inteiro.
Aconchego-me a ela e gozo cada milímetro de sua forma.
Copulamos como lobos e como humanos,
No desejo de permanecermos unidos,
Pêlo com pêlo, pele com pele, embriagados pelos três pontos de interjeição,
Ainda que tudo entre nós seja um ponto de interrogação.

c cardoso

13 de fev. de 2011

Comer em São Paulo

Que São Paulo é um dos melhores lugares do mundo para se comer é notório. O chef Anthony Bourdain, por exemplo, achou a cidade muito feia, mas adorou a comida feita aqui. Desde que vim morar na capital paulista, tenho tido a oportunidade de conhecer alguns dos inúmeros restaurantes da cidade, aqueles que cabem no meu bolso, preferencialmente. Afinal, comer bem (não no sentido de quantidade) é um dos maiores prazeres da vida, seja pelo estímulo que o alimento e a bebida provocam em todos os sentidos, seja pela viagem cultural que a gastronomia representa. Ela é expressão vital do talento dos povos. Conheci alguns muito bons, outros nem tanto. Quase todo fim de semana vou a um diferente. Neste ritmo, talvez eu conheça uma boa parte dos principais restaurantes de São Paulo antes de morrer após eu ter ultrapassado os noventa e tantos anos. Se não quebrar antes, porque não é barato frequentá-los. Também engordei um bocado, e agora estou fazendo um grande sacrifício para recuperar a forma em meio a tantas tentações. Não estou fazendo dieta por culpa. Nunca se deve comer com culpa, ou se arrepender de ter saboreado uma obra de arte. Estou fazendo pela saúde, dando preferência à culinária mediterrânea, como recomenda a ciência médica em voga. Para citar apenas alguns, olha esta lista de restaurantes aos quais fui este último ano: Maní, La Vecchia Cucina, Tantra, Weinstube, Consulado Mineiro, Roperto, A Bela Sintra, Tordesilhas, Bráz, Garabed, Sujinho, Acrópoles, Uo katsu sushi bar. Domingo fui ao L'Entrecote de Paris: prato único, Entrecote com batatas fritas e salada. Não comi as batatas fritas. A carne estava gostosa, macia, embora eu não possa dizer o que havia no tempero de 21 ingredientes. O restaurante que mais me impressionou até agora foi Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, especializado em comida nordestina. www.mocoto.com.br. Para quem não conhece São Paulo tão bem, não é fácil chegar lá, na Zona Norte, Vila Medeiros, sendo recomendável GPS. Fila de mais de hora, pelo menos no sábado. Mas vale a pena: enquanto se espera, a boa pedida é a caipirinha, afinal o restaurante também é uma cachaçaria. E tem deliciosas tapioquinhas em cubo, acompanhadas de geléia de pimenta, para petiscar. O prato principal foi uma das melhores e mais macias capas de costela que eu já experimentei. Só de lembrar, minha boca começa a salivar. Se eu quero conhecer mais e mais restaurantes, o recomendável é não repetir, mas, no caso do Mocotó, seria ótimo revisitá-lo.

5 de fev. de 2011

Encontro com a arte sacra

Há pouco menos de um ano, deixei o cerrado do Planalto Central para vir peregrinar nas terras paulistas, de onde fui levado pequeno, sem, contudo, esquecer os meus laços. Poderia dizer que retornei em busca das minhas raízes, e, em parte, é verdade. Em São Paulo, sinto-me no meu habitat, embora, muitas vezes, fique espantado com o tamanho da selva que é esta cidade e inseguro diante das esquisitices que atravessam o meu caminho. Porém, não é fincar raízes o que desejo. Eu sou um nômade. O que procuro é andar pelas milhares de trilhas de chão ou de asfalto, em meio a árvores ou edifícios, usufruindo desta fonte inesgotável de conhecimento, irradiante em cada canto. E me pego admirando todo e qualquer desenho arquitetônico incrustado nas vias e todo e qualquer traço físico em movimento. Tudo é novo e oferece-me o prazer da desvenda. A arte de viver e de produzir vida está espalhada, cintilando com o sol e com as estrelas. Nesta peregrinação, conheci hoje o Museu de Arte Sacra de São Paulo, no Mosteiro da Luz fundado por Frei Galvão. Lá há belíssimas obras dos séculos XVII e XVIII, que a gente acha que só encontra em Minas Gerais. Peças religiosas como ostensórios e crucifixos, imagens de Jesus, de santos e de Maria, cuja beleza faz com que a fé em Deus e no homem seja resgatada, se a perdeu, ou potencializada às alturas, se a mantém firme ou vacilante. Eu, que vivo o meu momento de filho pródigo que volta à casa do Pai, terminei a visita extasiado, louco por um encontro com Deus, em Cristo, pela oração e pela leitura da Palavra, pela música, pelas artes plásticas... Lamentei, também, ao sair, a equivocada visão protestante em relação às imagens, porque eles perdem muito em não ter contato com esta maravilhosa arte, sob o argumento de que se trata de idolatria. Não se está idolatrando imagens não! Está-se apreciando o produto da permissão dada por Deus ao gênio humano para que seja revelado o Criador invisível aos olhos dos crentes e dos descrentes e para que eles sejam estimulados a seguirem, com fé, Jesus Cristo, como os santos retratados o fizeram. Não resisti, ansioso por conhecer mais acerca da arte cristã, e adquiri um livro muito interessante denominado "A Arte no Cristianismo" de Cláudio Pastro, rico em informações, reflexões e ilustrações, e outro sobre Arte Brasileira Colonial, Barroco e Rococó, de Percival Tirapeli, arte que sempre me fascina e me faz, periodicamente, rever Ouro Preto, São João del Rei e Tiradentes.

28 de jan. de 2011

Onde você estava escondido, lobo do cerrado?


Onde você estava escondido, lobo do cerrado? Em que cerrado ou estepe ou savana ou tundra você hibernou? Inverno mais longo do que o desejado. Longamente eu o procurei, meu amigo eu. Quase desisti, depois de caminhar por trilhas de cascalhos escorregadios e em meio a árvores tortas como a natureza e o poeta mineiro. Mas eu sabia que não podia me deixar tombar sedento no deserto sem fazer conviver em paz o lobo e o cordeiro que pastoreia e mim. Sai deste sono inimigo do tempo, lobo, porque o sonho não é suficiente.Parte em direção à lua que conduz o seu uivo. E me leva junto.

25 de jan. de 2011

São Paulo - 457 anos

Evocações de São Paulo


Passos amarrados
Pés acelerados
Calçados surrados sapatos italianos sandálias de dedo Havaianas saltos altos all star
Barulhos ocos ou silenciosos vão e vêm
Sob a calçada de mapas uniformes brancos e pretos
Sem reparar
O desenho
O contraste
O vento
A garoa
O papel em vôo livre que se recusa a ser lixo, Estadão, Folha
Movimentos lusitanos italianos africanos judeus árabes bolivianos mineiros e baianos,
Luz Bexiga Cerqueira César Santana TucuruviVila Mada Bom Retiro Higienópolis Mooca...Jardins
A cidade não termina, dá medo de tão grande!
Zona Norte Zona Sul Zona Leste Zona Oeste Zona global a partir da Sé
Japoneses ou coreanos ou chineses, Liberdade
Paulistas, paulistanos
Casais de todos os números e gêneros, tribos, punk
E solitários, de dia de noite
Paulistanos todos
Ainda que se odeiem, ou sejam indiferentes
Ainda que corintianos, palmerenses, sãopaulinos
O Pelé, o Senna, a Paula Mágica
Esbarram-se, cortam ruas e avenidas
Os olhos se cruzam às vezes
Enquanto se deviam dos carros que se desviam da marcha lenta
Sinal verde amarelo vermelho verde
Buzina
Fumaça
Sirene
E o céu, quem olha? Pergunta:
Será que vai chover?
Arranha-céus por todo lado, quantos andares!!!!!!!!!!??????
À noite, as luzes nas janelas acesas apagadas acesas abrasadas
Provocam brilho no olhar curioso do voyeur
Espelhados, fumês, espelhos d’água, concretos, retângulos, Otake
Paulista Avenida e ruas retilíneas e curvas
Esculturas esculpidas no abstrato, linhas retas esferas ponto
As mãos desejam acariciar bustos, corpos desnudos beijos
Rodin na Pinacoteca
Pinceladas robustas rasgantes rascantes cabeças grandes graffiti Osgemeos
Sobrados aqui e ali, resistindo aos tempos de megalomania
Lindas mulheres esguias ou não, grife Oscar Freire
Flores nas roupa flores no cabelo
Cores na roupa cores no cabelo, tatuagem
Vestidas com uma elegância que desmente Caetano,
As ondas invadem os céus, os prédios, os automóveis
Rock pop hip hop samba funk clássico eletrizante
No parque Ibirapuera na Sala São Paulo no Municipal
Osesp, Filarmônica de Israel, Titãs e o Arnaldo Antunes,
Vanzolini e sua ronda, os Demônios da Garoa e o Adoniran,
Maria Rita Lee, festivais da Record
E o Cauby no Bar Brahma
Metrô
Buracos
Marginais
Tietê
Rio dos fortes, dos desafios bandeirantes
Como quem chega, como quem fica, como quem parte mas não desiste
Perfumes de agora trazidos pela memória
Tabaco, café, pão francês saído do forno, com manteiga derretendo
Pizza, churrasquinho grego, esfirra, pastel de Bacalhau e temperos no Mercado Municipal
De vitrôs retratando o labor como a semente do progresso
E a lazanha da Cássia
Sabores e cheiros do mundo todos na Paulicéia que apenas se insinua
Tímida perua
Lá no topo do Itália, vejo São Paulo e me espelho
Que visão panorâmica do caos que é existir sem medida
Em expansão por não caber em si!
Em mim!

c cardoso