29 de jun. de 2009

2 poemas rupestres

ENUNCIADO


Agora não posso mais priscar na areia quente
que nem os lambaris que escaparam do anzol.
Não posso mais correr nas chuvas na moda que
os bezerros correm.
Nem posso mais dar saltos-mortais nos ventos.
Agora
Eu passo as minhas horas a brincar com palavras.
Brinco de carnaval.
Hoje amarrei no rosto das palavras minha máscara.
Faço o que posso.

Manoel de Barros

O CASACO

Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado
e sujo.
Tentou sair da angústia
Isto ser:
Ele queria jogar o casaco rasgado e sujo no
lixo.
Ele queria amanhecer.

Manoel de Barros

28 de jun. de 2009

simplicidade


Li, recentemente, um artigo informando que várias pessoas, em virtude da crise econômica, estão adotando uma vida mais simples, frugal até. Muitas delas, por falta de dinheiro simplesmente; algumas, por se conscientizarem de que o consumo exagerado de bens e serviços produz mais estresse do que prazer. Aquelas, depois da crise voltarão a consumir despreocupadamente, estas, prosseguirão com uma nova filosofia de vida. Com a idéia de que não se deve possuir mais do que o realmente necessário, eu já concordava muito antes da crise. Aprendi, há muito, com Gandhi, que, se você possui dois pares de sapatos, é provável que alguém esteja descalço. De fato, eu só preciso de um par de sapatos pretos e de outro de marrons para combinar com os ternos escuros e claros, respectivamente, mas bem engraxados. Verdade que tenho alguns pares de tênis também, uma mania que estou controlando. Verdade também que minha compaixão não é mais como era naqueles tempos idealistas, quando conheci a biografia e o pensamento do líder indiano. Hoje penso que ninguém deve receber nada de graça, tem que fazer por merecer, para dar valor ao que possui. Ainda acredito na simplicidade, e, também, no utilitarismo, isto é, devemos possuir o que é realmente necessário e útil, e nos preocupar com as conseqüências de nossos hábitos de consumo sobre nós mesmos e sobre o meio em que vivemos. Tenho feito coisas básicas em relação à proteção do meio ambiente e à diminuição do efeito estufa, insuficientes, eu sei, mas um começo: fico menos tempo no chuveiro, apesar de gostar de ficar debaixo da água quente pensando na vida; controlo o consumo de água ao lavar louça, escovar os dentes e fazer a barba; apago a luz quando saio do local; uso menos o automóvel e ando mais; separo o lixo orgânico; economizo folhas de papel, evitando impressões desnecessárias; acima de tudo, evito desperdícios. No que diz respeito ao consumo, eu, antes de comprar algo, pergunto-me se eu tenho condições financeiras, depois se eu preciso ( não pergunto se eu mereço, porque a resposta seria sempre afirmativa). Começo a considerar, no momento da compra, a responsabilidade social e ecológica do produtor, por exemplo, se ele não desrespeita os direitos básicos dos seus empregados ou se não utiliza madeira proveniente de desmatamento ilegal; se o produto é reciclável; se o alimento é orgânico... Falando em alimentos, comer menos é melhor (sem perder a graça e o sabor jamas), revela a ciência. E estou nesse caminho, o famoso caminho do meio. Esse meu comportamento está ligado ao meu desejo de alcançar maior equilíbrio interno e, a partir daí, uma relação mais harmônica com as pessoas e com as coisas do mundo, vontade esta que não é recente mas que estava exilada em algum canto escondido da alma. Não quero mais me desgastar física e mentalmente com coisas desimportantes ou desnecessárias. Meu tempo e minha energia são cada vez mais preciosos, tendo em vista que estou cada vez mais próximo dos cinqüenta. Quero sim a sabedoria para identificar o que vale a pena e aí então lutar muito para obtê-lo e conservá-lo. Algo que vale a pena é contribuir para que meus filhos, netos e os que vierem depois encontrem uma qualidade de vida melhor, um planeta ainda belo, e uma sociedade mais ética, com menos corrupção e violência. Enfim, preservar o que é bom e eliminar o que não presta, substituindo-o por algo melhor. Como distinguir o que é bom do que não o é? Este conhecimento a humanidade vem produzindo por milênios e o transmitindo por meio de mestres. É se utilizar da razão crítica ( jamais se deixar levar pela fé cega) e, por que não?, da intuição, para colher e apreender as boas lições e colocá-las em prática. E criar novas lições. Atenção! Cuidado! O que não falta são os falsos profetas e os iluminados sem luz própria. Encerro com a saudação vulcana do Sr. Spock: “Vida longa e prosperidade”.

25 de jun. de 2009

Poema Erótico

A exemplo do FLIP, aonde, infelizmente, não poderei estar, também eu presto homenagem ao grande poeta:


"Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira..
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira..."

Manuel Bandeira

20 de jun. de 2009

Tão longe, tão perto

Você tão longe, tão longe, pra lá das chapadas goianas
Pra lá das montanhas de Minas, lá onde São Paulo é interior
Eu aqui, aqui só, cerrado dentro, sonhando consigo na distância

Meu corpo nu anseia cobrir-se com a nudez caliente do seu corpo
E enxotar o inverno esparramado em minha cama king size
Vazia do seu cheiro de mulher recém banhada de água e rosas

Minh’alma delira a sua presença fantasmagórica e abraça com fervor
O travesseiro e toda imagem que de sua ausência emana
E se deita no seu lado para se embriagar do que resta de se sua fragrância

Beijo o beija-flor batendo asas e sugando o lírio gravado em seu pé
Mordisco o bico dos seus seios, os dedos pressionando os pontos G
Brinco com a sua língua, saboreando a saliva, tateando suas curvas formosas

Extasiado, não é mais alucinação, é sonho em alpha
E você presente, no capuccino que beberico pela manhã
E você presente, no vinho que saboreio à noite.

Você, tão longe, tão perto...

c cardoso

17 de jun. de 2009

Amiga

Minha amiga, nosso tempo de amor terminou
Por que? Não sei, ninguém explicou
Como tudo, na vida, expirou simplesmente
Não se arrependa, eu não me arrependo
Foi como devia ser, lindo
Dói? Não há o que fazer, infelizmente
Não chore, desculpe
Fiz o melhor, não me culpe
Como tudo o que é da vida, vai passar
Eu passei, não desista de amar
Dê tempo ao tempo, permaneça minha amiga

c cardoso

16 de jun. de 2009

Somos livres e responsáveis por nossas ações


Sartre dizia que a existência precede o ser, isto é, que existimos primeiro como uma folha em branco e que, em essência livres, vamos escrevendo nessa folha o nosso modo de ser. E ressalta a gigantesca responsabilidade, quase insuportável, que essa liberdade põe em nossos ombros. Não sem razão, a maioria de nós prefere abrir mão dessa liberdade ou negar que ela exista, para jogar a responsabilidade nas costas dos outros. A primeira culpa atribuímos à serpente e, depois, à mulher Eva. Em seguida, acusamos os pais ( que nos trouxeram para esse mundo de dor e nos impregnaram de sua cultura reacionária), o povo (do qual nos excluímos), o governo e os políticos (como se eles não estivessem aonde estão por escolha ou omissão nossa), a burguesia ( que nos impõe angústias e prazeres), os imperialistas ( que exploram as nossas fraquezas mas nos disponibilizam Ipods, Iphones e música pop)... os outros, sempre os outros são os culpados. O inferno são os outros, diz umn personagem sartriano. Afinal, os outros são castradores, alegamos. Na verdade, nós somos castradores de nós mesmos, porque odiamos responsabilidades. Não nego que há fatores externos e internos nos influenciando desde o DNA. Não nego a influência de Eva, dos pais, do governo e dos políticos, do nosso povo e de nossa cultura. O que afirmo é que podemos superar essas influências e sermos a concretização dos nossos projetos. Não fora assim, ainda seríamos primitivos sobrevivendo às intempéries por meio da caça. Não fora assim, Chaplin, filho de um alcoólatra e de uma louca não seria Chaplin; o mulato Machado de Assis não seria o fantástico escritor brasileiro Machado de Assis; os negros Martin Luther King e Nelson Mandela não teriam sido os lideres que foram; o filho ilegítimo Leonardo da Vinci não seria a expressão da genialidade renascentista; a russa Ayn Rand, vitima da revolução de 1914, não seria um fenômeno literário e filosófico libertário americano... É a nossa capacidade de escolha e a nosso compromisso com ela que faz com que superemos os limites estabelecidos por forças alheias à nossa vontade. Se desejamos ser mais que marionetes, precisamos assumir nossa liberdade e a responsabilidade dela decorrente. Necessitamos carregar o peso e não atribuir-lhe a outros. Lutar pela liberdade e escrever a nossa história. E fazer que esta história valha para a posteridade. Porque não há nada mais além disso. Por isso Sartre, apesar de alguma de suas escolhas equivocadas, como a opção pela esquerda, pelo stalinismo e depois pelo maoísmo, ainda está vivo.

14 de jun. de 2009

Dia dos namorados

Também deixei passar o dia dos namorados sem escrever nada. Mea Culpa mea maxima culpa. Não por falta de namorada. Para ela escrevi, mas para ela. Vai aqui, para ela e para todos os namorados, versos do grande Vinícius:
http://www.viniciusdemoraes.com.br/

Minha namorada

Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser

Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê

Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer

Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois

Aniversário de Fernando Pessoa

Desculpem-me, o aniversário do mestre foi ontem. Mas nunca é tarde se há arte. Vai um poema dele, colhido de www.pessoa.art.br:

Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar pela vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…

{Álvaro de Campos, Poemas}

m c escher

Meu filho, que me ensina muito acerca da modernidade, me mostrou esta imagem de M C Escher, e eu fiquei fascinado. Ela retrata perfeitamente a figura do homem que se situa diante da existência e filosofa, daquele que não se conforma simplesmente com o ser, estar e ter, e deseja respostas. E manifesta sua insatisfação perene. Ela me espelha. Sou eu encarando o meu ser na bola de cristal, enxergando o que eu tenho de luminoso e o que eu tenho de sombrio. Sou eu me fazendo as questões básicas: quem eu sou? por que eu sou? para que eu sou? donde vim, para onde vou? Que genial esse artista que é capaz de expressar por meio da arte do desenho a angústia do homem pensante. Perfeito!


8 de jun. de 2009

David Carradine


Foi com tristeza que recebi a notícia da morte de David Carradine, a quem admirava da época da série "Kung Fu". Que garoto franzino, nascido na década de 60, não se entusiasmava com o "Gafanhoto" Caine que, por meio da filosofia oriental e das habilidades de um mestre nas artes marciais enfrentava os mais fortes e vencia injustiças e preconceitos!? Carradine atuou também em um filme que sempre gosto de citar quando me refiro às ameaças à liberdade e à democracia: "O Ovo da Serpente", de Ingmar Bergman.

1984, o filme


Assisti, no Sábado, o filme “1984”, versão cinematográfica da obra-prima de George Orwell, felizmente relançado em DVD. É um filme pesado, chocante pelo realismo, com cenas de lavagem cerebral, de enforcamentos, de fuzilamentos e de torturas. Talvez por ser mais acessível, do que o livro, a um público maior e menos letrado, ele seja mais eficiente quanto ao alerta contra os regimes políticos autoritários e devia ser mais divulgado. Ele ressalta características comuns a esses regimes, sejam eles de direita ou de esquerda: a supressão das liberdades individuais, sob o argumento de que o fazem em prol da coletividade, a começar pelas de pensamento e de imprensa; a manipulação das massas e das informações a elas destinadas, criando algo como que um estado de hipnose coletiva; a dominação por um partido único, O Partido, tratado como ente sagrado, inatacável, sob a liderança de O Líder, insubstituível, intocável, mítico, messiânico (culto à personalidade tão bem conhecido); a submissão dos opositores do Líder e do Partido à degradação física e moral, sob os aplausos da opinião pública, apontando-os como traidores da pátria e inimigos do povo, a serviço de grupos terroristas ou de interesses estrangeiros e de países imperialistas. Medidas adotadas pelos governos, tendentes a suprimir liberdades individuais, a calar a Imprensa, a manipular massas e informações, a ocupar a máquina estatal com membros do Partido, a endeusar o Líder, a eliminar a oposição, devem ser vistas como ameaça à Democracia e ser coibidas antes que seja tarde demais.

7 de jun. de 2009

tatuagem

O lobo uiva na minha pele uma canção de liberdade: Eu sou livre...Eu sou livre



3 de jun. de 2009

F Pessoa


Pessoa(i)s

A Fernando Pessoa

Olá, Pessoa!
Aí, além das correntes assombrosas e temperamentais
Do oceano turvo que desemboca no Tejo,
Sentado à mesa do A Brasileira,
Não sei se navegando longe com os olhos do Infante
Ou mergulhando dentro com a visão do Iniciado.
Cosmonauta do íntimo do íntimo, me diz:
Que gosto ardente tem a Águia Real?
Conta sobre suas viagens alçadas com asas etílicas.
Posso eu compartilhar dessa mesa seleta?
Álvaro.
Ricardo.
Salve, Alberto! E os outros...
A vida é menos que nada,
Mas vale pelo que se vislumbra sob o véu transparente,
Cobrindo os alvos corpos das dançarinas esculturais
Que bailam ao som da flauta dos faunos.
Quisera eu ser um fingidor, Fernando,
Declamar verdades com o ritmo dos sonhos,
Pacificar os muitos eus
Que vagueiam em minhas visceras
Como fantasmas pintados por Chagall,
Curar os muitos meus
Que sobrevivem aos arames farpados do mundo
Como mortos-vivos descritos pelos jornais.
Segreda-me:
O que é verdade, o que é mentira?
Como embelezar a dor, como inventar a alegria?
Segreda-me, antes que as cadeiras sejam colocadas sob as mesas,
Antes que eu retorne e seja carcomido pelos vermes dos Trópicos.

c cardoso