30 de jan. de 2010

seu corpo meu

Ah Maria maria...
Deitada, deleitada, toda sonho.
E eu esparramado ali
Deitado, arrebatado, todo alumbramento
Em busca da palavra precisa.

Sua nudez branca como chantili
Que derrete doce na língua gulosa,
O fluido do tesão e o produto do prazer
Que tudo lambuza sem lamento
A face, os seios, a pélvis, os lençóis...

Meus olhos seguem em carícias
Abertos, ou apenas encostados
Como uma porta convidativa para (re)viver
Cada ponto dos seus traços aveludados,
Cada toque das suas mãos cheias de malícias.

Meus dedos movem-se insaciados
Como os do pianista cego e virtuoso
Que conduzem à alegria e à dor.
Mas temem acordar a mulher com seu ardor
E furtar-lhe a leveza do sono merecido.

Que designer inspirado!
Foi deus ou a evolução que desenhou esse corpo,
Que o tempo não tornou feio,
Que nenhum cirurgião deixou deformado?
De onde no Universo imensamente belo você veio?

Ah Maria maria...
Permaneça o seu corpo junto ao meu.
Ele me faz de imperfeito uma nudez perfeita
O meu ser que ao gozar do seu
É mais que um corpo feliz, é felicidade completa.

c cardoso

28 de jan. de 2010

Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

Ontem foi o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Há sessenta e cinco anos o exército soviético libertou os sobreviventes de Auschwitz. A barbárie nazista deve continuar na memória da humanidade como permanente alerta contra a potencial perversidade do ser humano, capaz de, se as circunstâncias ou as lideranças o permitirem, provocar dor e distruição de apavorar o mais insensível dos carrascos. Em respeito à memória das vítimas do Holocausto e como expressão da minha admiração pelo povo judeu, republico o seguinte poema meu:

Todos os homens são judeus


Para Bernard Malamud

Ouve ó Israel,
Eu sou judeu,
Minha mãe não, mas eu sou!

Saudoso do deus inexistente,
Vago estrangeiro de quarentena no deserto,
Em busca da Terra em que mana leite e mel,
Esperançoso do fim da interminável guerra dos dementes
E do encontro com a razão prometida no tempo das Luzes.

Persigo insistente a verdade oculta,
O justo, o belo, Talião, Nobel.
Por isso muitos me olham atrevessado.
Zombando das minhas feições tão germânicas quanto etíopes,
Do gordo vestindo Armani e com charuto cubano na mão,
Do famélico trajando listas e estrela num campo de concentração.

Ah! o rancor e a inveja...

É necessário rir. O riso é já vitória.
Rio de mim, rio do outro,
Em homenagem à grande comédia
Vida!
Riso que se segue ao choro,
Às vestes rasgadas, às cinzas lançadas às costas em sinal de luto,
Pelas mentes e pelos corpos arremessados nas covas coletivas.

Por que tanta inveja e tanto rancor?

Tolice! Sua mãe não é judia
Mas você é judeu, como eu.
Como todos os homens
Vagando pelo deserto
Ansiando por Israel.

c cardoso

25 de jan. de 2010

Homenagem a São Paulo - 456 anos

Relembro, em homenagem aos 456 anos da cidade de São Paulo, poema que escrevi para ela em outra ocasião:

Evocações de São Paulo


Passos amarrados
Pés acelerados
Calçados surrados sapatos italianos sandálias de dedo Havaianas saltos altos all star
Barulhos ocos ou silenciosos vão e vêm
Sob a calçada de mapas uniformes brancos e pretos
Sem reparar
O desenho
O contraste
O vento
A garoa
O papel em vôo livre que se recusa a ser lixo, Estadão, Folha
Movimentos lusitanos italianos africanos judeus árabes bolivianos mineiros e baianos,
Luz Bexiga Cerqueira César Santana TucuruviVila Mada Bom Retiro Higienópolis Mooca...Jardins
A cidade não termina, dá medo de tão grande!
Zona Norte Zona Sul Zona Leste Zona Oeste Zona global a partir da Sé
Japoneses ou coreanos ou chineses, Liberdade
Paulistas, paulistanos
Casais de todos os números e gêneros, tribos, punk
E solitários, de dia de noite
Paulistanos todos
Ainda que se odeiem, ou sejam indiferentes
Ainda que corintianos, palmerenses, sãopaulinos
O Pelé, o Senna, a Paula Mágica
Esbarram-se, cortam ruas e avenidas
Os olhos se cruzam às vezes
Enquanto se deviam dos carros que se desviam da marcha lenta
Sinal verde amarelo vermelho verde
Buzina
Fumaça
Sirene
E o céu, quem olha? Pergunta:
Será que vai chover?
Arranha-céus por todo lado, quantos andares!!!!!!!!!!??????
À noite, as luzes nas janelas acesas apagadas acesas abrasadas
Provocam brilho no olhar curioso do voyeur
Espelhados, fumês, espelhos d’água, concretos, retângulos, Otake
Paulista Avenida e ruas retilíneas e curvas
Esculturas esculpidas no abstrato, linhas retas esferas ponto
As mãos desejam acariciar bustos, corpos desnudos beijos
Rodin na Pinacoteca
Pinceladas robustas rasgantes rascantes cabeças grandes graffiti Osgemeos
Sobrados aqui e ali, resistindo aos tempos de megalomania
Lindas mulheres esguias ou não, grife Oscar Freire
Flores nas roupa flores no cabelo
Cores na roupa cores no cabelo, tatuagem
Vestidas com uma elegância que desmente Caetano,
As ondas invadem os céus, os prédios, os automóveis
Rock pop hip hop samba funk clássico eletrizante
No parque Ibirapuera na Sala São Paulo no Municipal
Osesp, Filarmônica de Israel, Titãs e o Arnaldo Antunes,
Vanzolini e sua ronda, os Demônios da Garoa e o Adoniran,
Maria Rita Lee, festivais da Record
E o Cauby no Bar Brahma
Metrô
Buracos
Marginais
Tietê
Rio dos fortes, dos desafios bandeirantes
Como quem chega, como quem fica, como quem parte mas não desiste
Perfumes de agora trazidos pela memória
Tabaco, café, pão francês saído do forno, com manteiga derretendo
Pizza, churrasquinho grego, esfirra, pastel de Bacalhau e temperos no Mercado Municipal
De vitrôs retratando o labor como a semente do progresso
E a lazanha da Cássia
Sabores e cheiros do mundo todos na Paulicéia que apenas se insinua
Tímida perua
Lá no topo do Itália, vejo São Paulo e me espelho
Que visão panorâmica do caos que é existir sem medida
Em expansão por não caber em si!
Em mim!

c cardoso

19 de jan. de 2010

Segundo ato

Segundo ato

Ano após ano, década após década, 1961...1981...2001...
Assombraram-me irrespondíveis indagações shakespearianas
Sufocaram-me a garganta as vestes mundanas
Dominou-me a culpa de ser apenas mais um
Ator medíocre conduzido por um arrogante ícone

Movimentei-me pelos palcos do absurdo da condição humana
Imerso em cenários minimalistas como uma sala despojada
Ou densos como pórticos de uma catedral gótica flamejante
Atuei sob luzes suaves como as das estrelas na noite campestre
Cantei e dancei sob luminosos berrantes da megalópole insone

Na arte de ser muitos e de não ser nada eu fui mestre
Cavaleiro, combati moinhos para conquistar a amada
Mercador, cobrei um pedaço do coração para emprestar glória
Andarilho, percorri o paraíso, o purgatório e o inferno com Dante
Personagem, procurei desamparado o Autor da História

No segundo ato, eu grito: basta!
De palcos que eu não escolhi
De cenários que eu não montei
De personagens que eu não criei
De histórias que eu não escrevi

c cardoso

18 de jan. de 2010

A internet mudou meu modo de pensar?

No Estadão de ontem, foi publicado um artigo de Sérgio Augusto a respeito de uma pergunta feita a artistas, psicólogos, cientistas e outras cabeças pensantes de destaque, no âmbito do fórum internacional Edge Foundation: a internet está mudando o seu modo de pensar?
Embora eu seja um anônimo em meio à multidão, e não tenha sido convidado para participar daquele fórum, ouso responder esta interessantíssima e oportuna questão, ao menos para minha reflexão pessoal.
Estou naquele grupo de pessoas que cresceram e alcançaram a vida adulta antes que a revolução da internet chegasse ao Brasil. Soube, pela internet, aliás, que faço parte da geração “baby boomer” (nascidos entre 1946 e 1964) e que, depois da minha vieram a geração X (1965/1981) e a geração Y (década de 80 e início da década de 90), a dos meus filhos – que, por sinal, me ajudam muito quando o assunto é informática - também chamada de geração internet. Estas últimas gerações acompanharam, desde a infância, o desenvolvimento das novas tecnologias, em especial a da informática, e por isso são delas mais íntimas do que as anteriores. Claro que em todas há os que seguem as inovações, uns mais outros menos, e se adaptam a ela de acordo com o seu empenho. Meu pai, parafraseando os darwinistas, dizia que QI corresponde à capacidade de adaptação ao meio, às circunstâncias. Eu, aos 48 anos de idade, venho me adaptando bem, ciente de que, além dos mais jovens, há cinquentões e sessentões melhor ajustados ao mundo virtual do que eu. Isto só contribui para estimular-me a aprender mais e a buscar me valer ao máximo dos instrumentos que as novas tecnologias vêm proporcionando.
E aqui surge a minha resposta à indagação do início: a internet, em si, não mudou o meu modo de pensar. E creio que ela não muda o modo de pensar de ninguém. Ela é, essencialmente, um instrumento que permite o acesso incalculável à informação. Ela não transforma pensamentos mas colabora com o pensar, com uma eficiência jamais oferecida por nenhum outro meio de comunicação. Ela me oferece acesso suficiente a conhecimentos que me autorizam a analisar, a decidir e a agir de modo apropriado às circunstâncias, cabendo a mim explorá-la com sabedoria. A vida é feita de escolhas e, quanto mais bem informada a pessoa for, mais decisões adequadas ela estará apta a tomar e menos consequências danosas tenderá a provocar. De qualquer forma, a responsabilidade é inteiramente nossa, não da internet.
As acusações feitas por gente apegada ao passado de que seus usuários se transformam em pessoas alienadas, isoladas e superficiais na mesma proporção do uso são infundadas. O alienado, o isolado, o superficial, ele já o é independentemente do uso da internet. A internet apenas torna esse fato mais evidente. Aquele que pretende estar ligado à realidade, interagir com o mundo a sua volta, e aprofundar o seus conhecimentos, busca usufruir de todas as possibilidades que esse precioso instrumento disponibiliza, cada vez mais amplas, e extrai realizações concretas em benefício próprio e da coletividade.
Além de instrumento que ajuda a pensar, ela democratiza a expressão do pensamento à medida que torna mais fácil a divulgação de idéias, antes restrita aos que têm acesso aos controladores de jornais, revistas, editoras, e canais de rádio e de TV. Assume, portanto, um papel cada vez mais relevante na preservação e na ampliação da liberdade de pensamento e de expressão, liberdades estas fundamentais para que o ser humano realize todo o seu potencial e a humanidade evolua.
Cabe o seguinte alerta: a sociedade deve combater qualquer tentativa de controle da internet que atente contra a liberdade de expressão, lembrando-se que as melhores idéias florescem em solo de ampla liberdade, onde elas podem ser testadas. A verdade é, se e enquanto, colocada à prova dos fatos, não é desmentida. Se, em relação a ela, são criadas barreiras instransponíveis à crítica, a exemplo do que ocorre com os dogmas de fé e as ideologias, trata-se apenas de uma hipótese que deve ser vista com suspeita.
Não podemos admitir sermos tutelados em nosso acesso à informação como se fossemos idiotas ou crianças.
Por fim, é necessário guardar no coração e na mente: a supressão da liberdade de expressão é o primeiro passo para a violação dos demais direitos fundamentais do homem.

11 de jan. de 2010

Maus - Art Spiegelman

Li, recentemente, o livro "Maus" de Art Spiegelman, um romance em forma de história em quadrinhos que relata a vida de um judeu polonês, o pai do autor, durante o nazismo e a perseguição e matança de judeus, como também a relação do pai sobrevivente do Holocausto com o filho artista, depois da Guerra, nos Estados Unidos. A obra impressiona não só pelo tema abordado, que sempre nos atinge no mais fundo do ser diante da notória barbárie, mas igualmente pelo realismo que os desenhos metafóricos, em diversas tonalidades de preto e branco, transmite ao leitor. Os judeus são representados como ratos, os alemães gatos, os poloneses não judeus porcos, e os americanos cães. E, conforme as circunstâncias exigem, o rosto de rato mascara-se de porco, por exemplo, para passar despercebido diante das forças perversas e colaboracionistas. Os personagens surgem e desaparecem entre os milhões anônimos que vivem a luta extrema pela sobrevivência, perplexos em face do arbítrio levado às últimas consequências, em que a vida do inimigo imaginário vale menos que a de um rato em um laboratório ou nos esgotos pútridos. Obras como essa são sempre indispensáveis como alerta permanente contra o Estado absolutista e totalizante. Essa espécie de Estado alimenta a perversidade humana, seja por estimular o ódio contra o diverso, seja por consagrar a irresponsabilidade daqueles que o dominam ou que o servem; ele procura sustentar pela violência física e moral a idéia monolítica que justifica a ação dessa gente e não aceita o contraditório. Exige a unanimidade servil e mostra aversão ao indivíduo, em especial ao livre pensador. Só um indivíduo é sagrado: o Grande Guia, mitificado pela manipulação das informações e pela propaganda oficial, com suas fotos obrigatoriamente presentes nas paredes e nos meios de comunicação. Tudo em nome do coletivo, defendido heroicamente pelo Partido, que se pretende único, inigualável, e por seus membros que, sob o manto do idealismo, escondem o desejo insaciável das benesses colocadas à sua disposição pelo Poder como recompensa pela fidelidade. Todo ser humano deve prezar e lutar pela liberdade, sem a qual o humano não é por inteiro nem terá a oportunidade de realizar todo o seu potencial em favor do progresso da humanidade. Toda pessoa deve estar atenta às medidas dos Governos e de grupos intolerantes, tendentes à supressão da liberdade, a começar por aquelas que visam a restringir a liberdade de pensamento e de expressão. Combatê-las é essencial à conservação dos direitos e garantias individuais, pois, como a história demonstra, é inegável o poder das idéias, para o bem e para o mal, e só idéias podem verdadeiramente enfrentar idéias.

8 de jan. de 2010

Ainda sobre viver e morrer

É preciso dar o devido valor à vida e à morte. A consciência da morte e da sua inevitabilidade é fundamental mas apenas para revelar quão inestimável é a vida. Melhor ainda uma vida com significado. E talvez não exista maior sentido a ser dado à vida do que a defesa da vida como sentido. É o tal do círculo virtuoso. Alguém disse que só o fato de existirmos já nos faz vencedores, afinal o nosso nascimento é resultado da vitória de um espermatozóide que competiu com milhões que morreram sem conseguir semear. Basta dar continuidade ao passo original e seguir em frente, entre derrotas e vitórias, mas sempre vencedor porque vivo!

Há pessoas cuja vida é morrer dia após dia, há outras cuja existência é ser até o momento derradeiro. eu estou neste último grupo.

2010

2010 já começou, embora em compasso pré-carnavalesco. De um lado, a propaganda oficial fazendo proselitismo, do início do dia até o reinício do dia, de um otimismo nacionalista capaz de causar inveja a Goebbles; de outro, os jornais matutinos, vespertinos e 24 horas no ar divulgando tragédias naturais e horrores humanos de desanimar até o Cândido de Voltaire. Eu, como sempre, e mais este ano, busco o caminho do meio, nem euforia nem depressão, embora não deixe de sofrer oscilações entre a alegria e a tristeza, o que é sinal de saúde, de que não sou controlado pela pílula que impõe o equilíbrio alienante. Tento agir de modo próximo ao que conduz o "amor fati" de Nietzsche, isto é, esforço-me para aceitar aquilo que não posso modificar. Sem ser conformista, contudo. Na verdade, sou um incorrigível idealista: na juventude, queria revolucionar o mundo; hoje, de um homem de sucesso transformar-me em um de significado e colaborar, ao menos com o exemplo e em relação aos mais próximos, para uma mudança em pról da vida, de uma vida livre, porque sem liberdade não há criatividade; criativa, porque sem criatividade não há progresso; progressista, porque sem progresso não há prosperidade; próspera, porque sem prosperidade não há justiça; justa, porque sem justiça não há dignidade; digna, porque sem dignidade não há beleza; bela, porque sem beleza não há felicidade... Por pensar assim, admiro muito a filosofia de vida contida na Oração da Serenidade, oração que deveria ser recitada diariamente mesmo pelos que não acreditam em Deus:

"Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras." Reinhold Niebuhr


Que o ano novo nos traga serenidade, coragem e sabedoria!