28 de abr. de 2009

Tributos

É possível que muita gente visite este blog esperando encontrar poesia ou crônicas divertidas e se decepcione por esbarrar em frequentes críticas ao Brasil e ao Estado brasileiro. Eu sei, ninguém gosta de ouvir críticas o tempo inteiro. É mesmo desagradável topar com alguém que só fala do lado negativo dos acontecimentos. Crítico de qualquer coisa é visto com reservas, porque, não raro, ele se situa na posição cômoda de quem apenas observa, sem jamais arriscar a por as mãos à obra. Eu também, claro, prefiro o que provoca regozijo ao que causa irritação. Não quero ser aquele de quem as pessoas fogem porque só fala do lado sombrio da vida. Por isso, desejo dar ênfase ao que eleva. Hoje, porém, é inevitável que eu aborde ainda um tema incômodo. É que, a exemplo de milhões, tive de prestar contas à Receita Federal e, pior, além da percepção do quanto de impostos eu paguei no ano passado, vou ter que pagar mais para saciar o insaciável apetite do Leão, consciente de que esse dinheiro vai para patrocinar a campanha eleitoreira da Dilma, a retórica burlesca do Lula ao redor do mundo, a falta de brio dos políticos de todas as esferas da Federação e de todos os Partidos, a vaidade do Judiciário, a ineficiência da burocracia estatal... Quando eu preciso da Saúde pública, da Educação pública, da Segurança pública, do transporte público, eles me viram a face e apontam o dedo para a iniciativa privada, a quem os hipócritas do Partido e seus aliados adoram destratar. Cospem no prato em que se lambuzam. A história mostra que muitas nobres cabeças rolaram e muitas revoluções foram feitas devido à cobrança abusiva de tributos e ao uso indevido dos recursos arrecadados. Mas no Brasil, depois de Tiradentes, ninguém quer arriscar a perder o pescoço. Como eu também não, resta-me gritar mas pagar.

17 de abr. de 2009

Brasil por Kafka

Nos últimos meses tenho convivido mais intensamente com uma realidade "non sense" que aflige os cidadãos brasileiros: a criada pela burrocracia. Estou tentando vender o apartamento dos meus filhos. Já tenho o comprador, que pretende adquirir o imóvel com financiamento da Caixa Econômica Federal, aquela empresa pública que faz diariamente propaganda afirmando que o governo está realizando o sonho da casa própria de milhões. Ela exige dezenas de certidões e documentos produzidos por cartórios. Você obtém os documentos, leva a uma agência da Caixa, e é informado que está faltando outra certidão nunca antes mencionada. Vai atrás, e, quando consegue, descobre que a validade de outra certidão expirou, porque elas só têm validade por 30 dias. E as idas e vindas aos cartórios recomeçam, e os gastos com cartório não terminam. Negócio fabuloso o cartorário, em que carimbos e textos com estílos que refletem a cabeça de copiador de fórmulas trazidas pela Corte de D. joão VI, custam mais do que arroz e feijão, boa literatura e belas invenções científicas. Reconhecer uma firma custa para o consumidor tanto quanto um litro de gasolina. Compare os recursos materiais e humanos utilizados na produção de uma e outra e me diga qual é a lógica econômica do valor cobrado. É uma indagação a ser feita às Corregedorias dos Tribunais que estabelecem os preços. Na semana passada, quando finalmente parecia que o negócio seria fechado, e eu poderia assinar o contrato de compra e venda do bem, representando os meus filhos, pois já estava tudo aprovado pela Caixa, o escrivão, quase sempre ele - quando não o servidor da Caixa - disse que a procuração pública, lavrada em cartório a um custo de mais de R$100,00, não servia porque ela não mencionava expressamente a Caixa Econômica Federal, embora se referisse a instituições de crédito, bancos etc...Fiz meu filho, que mora em São Paulo, correr a um cartório e fazer nova procuração especificando a CEF, e mandar o documento por sedex, com receio de caducar as certidões já entregue. Mais R$ 200,00. Hoje, a caminho da assinatura no cartório, recebi um telefonema do comprador: não adianta vir, como o seu filho mudou-se para São Paulo, o escrivão está exigindo certidões negativas de cartórios paulistanos. Imaginem a minha ira e a raiva do comprador. Mais tempo perdido e dinheiro desperdiçado, num círculo vicioso interminável. Parece que a lógica é esta: dane-se o tempo e o dinheiro do cidadão, a burrocracia insaciável quer mais. A mim, eu que não acredito na santidade e no poder transcedental das igrejas, não me resta sequer reclamar para o bispo. Meu filho terá que ir de cartório em cartório, em São Paulo, enriquecer donos de cartório.

13 de abr. de 2009

Menos automóveis, por favor

Um representante da indústria automobilística disse, em uma entrevista ao Carlos Alberto Sardenberg na CBN, que a meta dessa indústria no Brasil é alcançar a média norte-americana de um automóvel para cada dois habitantes, e que o país tem potencial para atingi-la. Atualmente, se não me falha a memória, a média é de sete por habitante. Sardenberg, com a perspicácia que lhe é própria, ironizou: São Paulo possui dois carros para cada habitante e a cidade está parada.O representante da indústria defendeu o seu negócio: o problema é o transporte público, o automóvel está ligado à liberdade de ir e vir, direito constitucional...eu não consigo perceber essa relação, especialmente dentro de um automóvel que se move a menos de vinte quilometros por hora em meio a um engarrafamento monstruoso, e que faz com que se perca horas preciosas no trânsito, furtando o acesso no tempo adequado ao trabalho e ao lazer. Aonde está a liberdade de ir e vir, quando todos os caminhos estão bloqueados por carros e mais carros? Eu já desejei voltar para São Paulo várias vezes, mas, quando penso nas dificuldades e na irritação trazidas pelo trânsito paulistano, me vem aquela dúvida cruel: vale a pena o sacrifício? Em Brasília, onde moro, o trânsito é bem melhor do que o de São Paulo, porém já há vários pontos de estrangulamento. E estacionar está cada vez mais difícil. Na quadra para onde mudei recentemente, eu raramente consigo uma vaga perto do meu prédio. Sou obrigado a estacionar meu carro em vias internas distantes e sem qualquer vigilância, às vezes ao lado de uma placa de proibido estacionar. Nosso Estado zomba da nossa cara, pra variar. Ele incentiva, até as raias da compulsividade, a aquisição de automóveis, mas não só não oferece estacionamentos suficientes como também veda e pune o estacionamento nos poucos locais disponíveis. E , nesse ponto, tem razão o representante da indústria automobilística, o Estado não dá a mínima para o transporte coletivo. É claro que é agradável andar no conforto do nosso carro. Melhor dizendo, já foi. Mas, se o Estado investisse mais na quantidade e na qualidade do transporte público, eu e muita gente optaríamos por esse meio e deixaríamos o carro em casa ou sequer teríamos um, uma vez que o seu custo de manutenção é alto e a sua depreciação é grande. As cidades e o meio ambiente agradeceriam. Poderia se alegar, como se alega: essa indústria é importante na cadeia produtiva e cria muito emprego direto e indireto. É verdade. Mas, se compararmos o número de beneficiados com o de prejudicados, será que realmente se justifica tanto incentivo prioritário dado pelos governos à industria automobilística, em detrimento dos serviços públicos de transporte que atenderiam a um número maior de pessoas? Quantos veículos automotores não circulam com apenas uma pessoa? Se queremos realmente melhorar a qualidade de vida em nossas cidades, precisamos optar por um modelo que desestimule o uso do transporte individual e incentive o coletivo.