21 de jun. de 2010

Eu te
espero noite e dia (após) noite
E dia de
contida espera
Eu te quero
e temia que após querer-te
Seria a
vida loucura e desencanto
Sem você
noite e dia, iria perder-te
E viveria
repetida a sós a era
Em que o
amante conheceria o pranto
Eu te
espero
É dia
Eu te quero
Que
Seria a
vida
Sem você?

c cardoso

20 de jun. de 2010

anjos

Não existem anjos, assexuados, com suas asas recolhidas ou abertas, em algum lugar no espaço etéreo guardando a gente, atuando como mensageiros junto a um deus produto da nossa necessidade de preencher o vazio. Mas existem anjos, sim, homens e mulheres, com sangue nas veias, protegendo-nos, anonimamente em geral, sem precisar de uma prece, lutando diariamente, alguns nos lugares mais obscuros do mundo, outros, em grandes centros urbanos, todos com um objetivo: contribuir para uma vida melhor, para a evolução. Por exemplo, cientistas pesquisando a cura de doenças, cuidando da flora e da fauna, investigando novas fontes de energia e criando novas tecnologias; médicos, enfermeiros, veterinários e bombeiros salvando vidas; advogados defendendo injustiçados; engenheiros construíndo casas, pontes, metros e aviões; policiais cuidando da segurança; empresários produzindo alimentos, roupas, empregos e filantropia; professores transmitindo conhecimento e valores...São esses seres que merecem a nossa atenção e o nosso reconhecimento, não aqueles invisíveis e silenciosos residentes de uma dimensão que só cabe nos livros de ficção. Quanto tempo desperdiçado com o ilusório, em igrejas, quando deveríamos gastá-lo na aquisição do saber? Quanto dinheiro jogado fora, enriquecendo líderes religiosos charlatães, quando deveríamos usá-lo investindo em Ciência e Tecnologia? É verdade que a Ciência tem as suas limitações e não satisfaz plenamente, mas quanto não teríamos ampliado as fronteiras do conhecimento se nos dedicássemos mais a ela e menos à religião e aos seus mitos?

16 de jun. de 2010

esta rua não

Al(quem) estendido sob o tecido roto
Encardido como a calçada de pedras corroídas,
Na cama de papelão e frio dorme e não sonha,
Cadáver em que ainda há um sopro inaldível.

O manto não é coberta, é mortalha sagrada.

O cachorro e as pulgas sonolentos
Velam o amigo de desventuras e abandono,
Aquecidos pela porta do estabelecimento cerrada,
À espera das horas, do momento de catar as sobras.

Os meus olhos aflitos no espanto...

Quantos por esta rua de prédios cinzentos [como suas peles]
Pelo tempo descuidados jogados pelos cantos
Amontoados nas paredes grafitadas sem arte
Respirando as fezes, o mijo, o crack.

Rápido, rápido, me afasta daqui para a minha rua!

Esta rua não é a minha calçada de pedras cintilantes
Circundada por torres altivas de uma côr impecável
Espelhos da gente que ali passa rumo à casa
Para encontrar a lareira, o vinho, o abraço.

c cardoso

13 de jun. de 2010

Uma das principais razões que me motivaram a mudar para São Paulo foi o seu lado cultural. A cidade oferece inúmeras opções: concertos clássicos ou de rock; cinema experimental ou holllywoodiano; arte nas ruas, nas galerias, nos museus, e teatro, muito teatro, para todos os gostos, dos duvidosos aos mais requintados. Para o dia 12, dos namorados, pretendia levar a minha namorada para ver "Simplesmente eu, Clarice Lispector", mas os ingressos estavam esgotados até o fim da temporada. O jantar romântico reservei para a noite anterior, sabendo o quanto seria difícil encontrar uma mesa em um bom restaurante na data em que todos os pares entram no clima das luzes de velas ao som de músicas que falam de amores, estimulados pelo sábio comércio. Decidi, então, assistir a uma outra Clarice, também judia, também talentosa, no monólogo "A Alma Imoral", baseado na obra do Rabino Nilton Bonder, e não me arrependi. Clarice Niskier atua sozinha, no palco de poucas luzes e muitas sombras, decorado de modo minimalista, com foco na sua dança de desnudar-se e de cobrir-se, despindo e vestindo as mentes de quem a assiste. Ela dialoga soberana com a platéia, ainda que ninguém a responda falando, mas apenas sorria ou dilate as pupila, tentando acompanhar o seu raciocínio rápido, as suas provocações à nossa sensibilidade. Valendo-se de histórias do Judaísmo, ela enfrenta como tema central a tensão entre a tradição e a transgressão, e demonstra, com um humor sutil e refinado, tipicamente judaico, que é a boa convivência com essa tensão que produz a evolução do ser humano. É ela a ponte entre o passado e o futuro. De fato, se de um lado a tradição revela a sabedoria construída pelo tempo por meio da experiência, de outro, nada se experimentaria, de modo a estabelecer a tradição, se não se arriscasse a quebrá-la. Aonde estaria a humanidade ainda, se inteiramente fiel à tradição, por exemplo, de oferecer sacrifícios humanos aos deuses, de possuir escravos adquiridos nas vitórias das guerras, ou de estuprar as mulheres dos inimigos usando-as como troféu de batalhas? Aonde estaria a humanidade ainda, se Corpénico e Galileu não tivessem ido de encontro à tradição do geocentrismo, os navegadores do sec. XV não tivessem desafiado os monstros dos Oceanos, e os Iluministas tivessem se mantido curvados à tradição absolutista? Porém, o que seríamos nós se não tivéssemos conservado a filosofia dos Gregos, a experiência jurídica dos Romanos, a tradição democrática inglesa, a arte inspirada nos mitos de todos os tempos e de todos os cantos do Planeta? A sabedoria está em distinguir o que conservar e o que jogar no lixo e em ter coragem para conservar o que deve ser conservado e em descartar o que deve ser descartado, não importa quantos se oponham a isso. Sem esses sábios e corajosos, a espécie humana nem se conserva nem progride. Isto vale também, claro, para o indivíduo e o seu crescimento como ser. Transgredir por transgredir é tolice, como também o é seguir hábitos e costumes por comodismo. Como bem assinala a peça, o destino do homem é a expansão, destino este já revelado no ventre materno. Seria mais confortável para o bebê permanecer ali, alimentado pela mãe e protegido, pelo líquido aminiótico, das mazelas do mundo exterior. Mas é necessário que ele rompa com este conforto, se lance de cabeça para as incertezas do mundo afora, e cresça em liberdade, senhor do seu rumo. Do contrário, ele não sobrevive. É preciso que não temamos as mudanças indispensáveis e que igualmente não desprezemos o conhecimento elaborado ao longo da nossa história, como ensina a tradição judaica segundo a leitura do Rabino Bonder. Vê-se, aqui, que a arte de Clarice Niskier cumpriu a sua função, me fez sorrir e me fez pensar.

10 de jun. de 2010

Fé e descrença

Ruth Tucker, escritora cristã, resolveu, forçada pelas suas próprias dúvidas, examinar como as pessoas religiosas, ou que foram religiosas um dia, particularmente no meio cristão norte-americano, lidam com a incerteza quanto à existência de um Deus pessoal e quanto à ação de uma força sobrenatural sobre as suas vidas. Contrariamente aos fundamentalistas que não admitem sequer que essa questão passe pela cabeça e que satanizam qualquer um que se atreva a fazer essa pergunta essencial, ela busca compreender a luta entre a fé e a descrença bem como as suas consequências na existência do questionador, embora o intuito da autora seja, ao final, tentar, respeitosamente, trazer de volta o descrente para a fé cristã e não afastá-lo definitivamente por causa da intolerância. Achei interessante a leitura da obra "Fé e Descrença", porque ela noticia experiências semelhantes à minha, de pessoas que, nascidas em um ambiente religioso, abandonaram a fé, depois de muito procurar e questionar, e tornaram-se agnósticas ou atéias, movidas pelo silêncio de um Deus ausente e pelas provocações da razão. No meu caso, os meus pais, apesar de não ligados a nenhuma denominação religiosa, sempre acreditaram piamente na existência de Deus e sempre se consideraram cristãos, adotando aquele sincretismo tipicamente brasileiro, em que Catolicismo e Espiritismo se mesclam contra todos os dogmas. Por algum motivo inexplicável, essa influência cultural encontrou em mim barreira intransponível e, como diz Caetano em uma de suas músicas, para mim "branco é branco, preto é preto, e a mulata não é a tal..." Por isso, tornei-me católico ortodoxo, mas sem perder o senso crítico. O Catolicismo possui uma estrutura material e imaterial bem organizada, tradição milenar, e é elemento fundamental da formação da identidade brasileira, o que o diferencia das seitas, principalmente protestantes, que vão se multiplicando de modo infinezimal, conforme o humor do auto-denominado pastor que interpreta a Bíblia conforme a clientela. Mas, por ser, em que pese a busca de uma identidade via enquadramento, um livre pensador insatisfeito com as respostas oferecidas pelo Catolicismo e vivendo sempre cheio de dúvidas, abandonei o Catolicismo e procurei o Espiritismo, depois a Teosofia, o Budismo, o Judaísmo, o Protestantismo tradicional, sempre lendo (a Bíblia, por exemplo, com suas histórias entediantes ou incompreensíveis), sempre orando (monólogo), indo a fundo, seguindo as regras (mandamentos) e nada de respostas convincentes, e nada de manifestação divina. Um círculo vicioso. Aí descobri a Filosofia. Na verdade, até então, por causa de Dostoievski, eu pensava que não precisava nem da Filosofia nem da Psicologia, pois bastava a Literatura para entender a vida. Descobri a Filosofia, repito. Ela me revelou que, se ela e a Ciência não têm todas as respostas, e nunca terão, o meu método, o da dúvida, é o método do filósofo e do cientista que nos aproxima da verdade, do horizonte. Ela me mostrou que a fé cega é mesmo incompatível com a verdade que eu tanto procuro. Ela está me ensinando a pensar, a valorizar a razão, e a entender os nossos limites. Acima de tudo, ela me ensina a ser tolerante, porque não há certezas. Mas é a Arte que me aconselha a parar de me torturar à procura de um Ser transcedental que me de sentido. O sentido da minha existência sou eu quem dá, não uma divindade criada por nós para justificar o desconhecido. Isto, para muitos parece terrível, pois parece mais confortável delegar responsabilidades. Para mim, não mais. Para mim, é melhor ter claro o que é mito e o que não é. Qual a diferença do Deus judaico-cristão para os deuses gregos, romanos ou egípcios? Por que Zeus é um mito e Javé não? Felizmente, nós evoluímos e ampliamos os nossos conhecimentos até percebemos que a era dos mitos tem de acabar. Estamos conscientes de que um trovão não é provocado por um deus. Muitos parecem que não, que pena! Sabemos, ou deveríamos saber, que, até prova em contrário, Darwin está certo. Tucker e vários outros permanecem na fé porque é mais cômodo. É mais cômodo continuar enquadrado, porque o enquadramento oferece um rumo experimentado, que não oferece grandes riscos. Talvez isso implique menos angustias. Mas, ela reconhece, muitos que deixaram de acreditar são hoje mais felizes. Não só porque deixaram de sentir uma culpa que lhes foi atribuída por um pretenso pecado cometido por ancestrais mitológicos conhecidos como Adão e Eva - nem a Justiça humana, tão cheia de vícios, cometeria tamanha injustiça - mas também porque deixaram de ir atrás de alguém que simplesmente não está lá, e, por isso, não virá em nosso socorro. São mais felizes, porque não são mais perturbados pelo ensurdecedor silêncio e porque assumiram a autoria de suas vidas sem se preocupar com o que vem depois da morte. Eu sou mais feliz, apesar de tanta responsabilidade, porque não mais trago culpas que não são minhas, porque não mais busco o que é impossível de encontrar, porque só eu sou o dono da minha vida e eu sou capaz de dirigi-la. Não me importa que não sou imortal. Importa que estou contribuíndo para os que estão relacionados comigo e as gerações que virão depois sejam felizes na medida do que está ao meu alcance. Engana-se aquele que acredita que, como dito por personagem de Dostoievski, sem Deus tudo é permitido. Quem não acredita em Deus pode ser tão ou mais ético do que quem acredita, e com maior mérito, pois a sua conduta certa não decorre do medo da punição mas do uso da razão. Veja, a propósito, por exemplo, as lições de Paul Singer. A ética do ateu, porém, tratarei posteriormente.

8 de jun. de 2010

Frio

Esta noite não, Sem Sentido!
O ar assalta pela fresta
Frio de arrepiar os ossos da
Alma saudosa de aconchego.

Criança órfã no sofá surrado,
As luzes, os prédios, a TV.
Não há folhas tremulando. Nada há, apesar do sopro.

Quem recolhido por trás daquelas janelas...
Só? Aquecido(a)?
Braços e pernas encolhidos,
Gelados no berço fashion.
O choro lá e cá.
Adulto. Faminto.

Onde está você para me aquecer
Com os seus seios?
Onde está você para me acalentar
Com o seu (en)canto?

Noite e frio e
Prédios e luzes e
TV

Quer uma sopa, Sem Sentido?

c cardoso

3 de jun. de 2010

shame on me

Fiquei meses sem escrever, sem visitar o meu próprio blog. Para que? perguntei-me inúmeras vezes, afinal ninguém lê mesmo! Nunca concordei com alguns escritores que afirmam que escrevem para eles próprios, pouco importando o leitor. A escrita, é essencialmente, um meio de comunicação e requer um comunicador e um receptor. Se esse receptor não reage, ela está falhando de alguma forma. É verdade que ela também envolve a minha necessidade vital de escavar as profundezas obscuras de minha alma e da sociedade em que vivo à procura de uma luz acerca do meu ser e de minha situação em universo incompreensível. Por intermédio dela me exponho não só para o outro mas para mim mesmo e me descubro um pouco mais à medida que me identifico e me diferencio. Talvez até expulse fantasmas, ou os compreenda melhor, sem necessitar gastar com psicanalistas. Mas quando o que escrevo não atinge o leitor, sinto aquele pavoroso silêncio de quando tolamente cria e orava e ninguém, a não ser o o vazio, respondia. Detesto monólogos. Odeio aqueles que adoram ouvir longamente e apenas a própria voz. Nada me dá mais prazer do que trocar idéias e sensações. Sei que é raro um escritor observar a reação de um leitor, mas eu já tive esse privilégio. Já pude ver na expressão facial da pessoa que lia um poema meu que ela estava sendo tocada. As palavras não eram a conjunção de letras de um alfabeto desconhecido. Eram o som de uma música que convida a dançar a dois. Não ter escrito esses meses é uma vergonha! Sei que há leitores, uns poucos talvez, mas que me honram com a sua disposição de me escutarem, e, por isso, merecem que eu não me cale e que eu aperfeiçoe cada vez mais o uso das palavras e provoque reações. Ainda que seja um único, eu tenho que continuar escrevendo. Expressando-me. Por mim. Sem isso, é morte em conta gotas. É o isolamento do moribundo. Com isso, é a arte de viver.