10 de jun. de 2010

Fé e descrença

Ruth Tucker, escritora cristã, resolveu, forçada pelas suas próprias dúvidas, examinar como as pessoas religiosas, ou que foram religiosas um dia, particularmente no meio cristão norte-americano, lidam com a incerteza quanto à existência de um Deus pessoal e quanto à ação de uma força sobrenatural sobre as suas vidas. Contrariamente aos fundamentalistas que não admitem sequer que essa questão passe pela cabeça e que satanizam qualquer um que se atreva a fazer essa pergunta essencial, ela busca compreender a luta entre a fé e a descrença bem como as suas consequências na existência do questionador, embora o intuito da autora seja, ao final, tentar, respeitosamente, trazer de volta o descrente para a fé cristã e não afastá-lo definitivamente por causa da intolerância. Achei interessante a leitura da obra "Fé e Descrença", porque ela noticia experiências semelhantes à minha, de pessoas que, nascidas em um ambiente religioso, abandonaram a fé, depois de muito procurar e questionar, e tornaram-se agnósticas ou atéias, movidas pelo silêncio de um Deus ausente e pelas provocações da razão. No meu caso, os meus pais, apesar de não ligados a nenhuma denominação religiosa, sempre acreditaram piamente na existência de Deus e sempre se consideraram cristãos, adotando aquele sincretismo tipicamente brasileiro, em que Catolicismo e Espiritismo se mesclam contra todos os dogmas. Por algum motivo inexplicável, essa influência cultural encontrou em mim barreira intransponível e, como diz Caetano em uma de suas músicas, para mim "branco é branco, preto é preto, e a mulata não é a tal..." Por isso, tornei-me católico ortodoxo, mas sem perder o senso crítico. O Catolicismo possui uma estrutura material e imaterial bem organizada, tradição milenar, e é elemento fundamental da formação da identidade brasileira, o que o diferencia das seitas, principalmente protestantes, que vão se multiplicando de modo infinezimal, conforme o humor do auto-denominado pastor que interpreta a Bíblia conforme a clientela. Mas, por ser, em que pese a busca de uma identidade via enquadramento, um livre pensador insatisfeito com as respostas oferecidas pelo Catolicismo e vivendo sempre cheio de dúvidas, abandonei o Catolicismo e procurei o Espiritismo, depois a Teosofia, o Budismo, o Judaísmo, o Protestantismo tradicional, sempre lendo (a Bíblia, por exemplo, com suas histórias entediantes ou incompreensíveis), sempre orando (monólogo), indo a fundo, seguindo as regras (mandamentos) e nada de respostas convincentes, e nada de manifestação divina. Um círculo vicioso. Aí descobri a Filosofia. Na verdade, até então, por causa de Dostoievski, eu pensava que não precisava nem da Filosofia nem da Psicologia, pois bastava a Literatura para entender a vida. Descobri a Filosofia, repito. Ela me revelou que, se ela e a Ciência não têm todas as respostas, e nunca terão, o meu método, o da dúvida, é o método do filósofo e do cientista que nos aproxima da verdade, do horizonte. Ela me mostrou que a fé cega é mesmo incompatível com a verdade que eu tanto procuro. Ela está me ensinando a pensar, a valorizar a razão, e a entender os nossos limites. Acima de tudo, ela me ensina a ser tolerante, porque não há certezas. Mas é a Arte que me aconselha a parar de me torturar à procura de um Ser transcedental que me de sentido. O sentido da minha existência sou eu quem dá, não uma divindade criada por nós para justificar o desconhecido. Isto, para muitos parece terrível, pois parece mais confortável delegar responsabilidades. Para mim, não mais. Para mim, é melhor ter claro o que é mito e o que não é. Qual a diferença do Deus judaico-cristão para os deuses gregos, romanos ou egípcios? Por que Zeus é um mito e Javé não? Felizmente, nós evoluímos e ampliamos os nossos conhecimentos até percebemos que a era dos mitos tem de acabar. Estamos conscientes de que um trovão não é provocado por um deus. Muitos parecem que não, que pena! Sabemos, ou deveríamos saber, que, até prova em contrário, Darwin está certo. Tucker e vários outros permanecem na fé porque é mais cômodo. É mais cômodo continuar enquadrado, porque o enquadramento oferece um rumo experimentado, que não oferece grandes riscos. Talvez isso implique menos angustias. Mas, ela reconhece, muitos que deixaram de acreditar são hoje mais felizes. Não só porque deixaram de sentir uma culpa que lhes foi atribuída por um pretenso pecado cometido por ancestrais mitológicos conhecidos como Adão e Eva - nem a Justiça humana, tão cheia de vícios, cometeria tamanha injustiça - mas também porque deixaram de ir atrás de alguém que simplesmente não está lá, e, por isso, não virá em nosso socorro. São mais felizes, porque não são mais perturbados pelo ensurdecedor silêncio e porque assumiram a autoria de suas vidas sem se preocupar com o que vem depois da morte. Eu sou mais feliz, apesar de tanta responsabilidade, porque não mais trago culpas que não são minhas, porque não mais busco o que é impossível de encontrar, porque só eu sou o dono da minha vida e eu sou capaz de dirigi-la. Não me importa que não sou imortal. Importa que estou contribuíndo para os que estão relacionados comigo e as gerações que virão depois sejam felizes na medida do que está ao meu alcance. Engana-se aquele que acredita que, como dito por personagem de Dostoievski, sem Deus tudo é permitido. Quem não acredita em Deus pode ser tão ou mais ético do que quem acredita, e com maior mérito, pois a sua conduta certa não decorre do medo da punição mas do uso da razão. Veja, a propósito, por exemplo, as lições de Paul Singer. A ética do ateu, porém, tratarei posteriormente.

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