21 de out. de 2008

?

Anteontem, eu era a perplexidade
Morrendo a solidão a dois,
Numa jaula de junco.
O tempo murchando impassível,
Em direção ao inevitável destino.
Indagava ao dia e à noite
O porquê de tudo, o porquê do nada.
E a resposta era o silêncio do monólogo travestido de sagrado.
Eu era o lobo arredio da estepe situado no cerrado,
Alimentando-me de restos de certezas,
Uivando para a lua imaginária,
Para que ela me iluminasse.

Ontem, a lua atendeu às minhas preces.
Veio a mão amiga, arrebentou as grades
E curou as marcas dos dentes da armadilha.
Deslumbrado com o espaço que me foi dado,
Eu quis segui-la como um cão domesticado,
Idolatrando aquela que me libertou.
Mas ela me esbofeteou a face lupina:
- Não se apegue por gratidão, segue em frente!
Eu sou apenas o espelho que te revelou a força de sua alma,
Grande demais para este mundo pequeno.

Hoje, vagando livre pela estepe travestida de cerrado,
Eu esbarrei em uma loba, errante como eu,
Sedenta de liberdade cúmplice como eu,
E levantei as orelhas, arregalei os olhos,
Senti o seu cheiro que me fez rodear e demarcar território.
Avancei destemido das dúvidas que assombram os solitários.
Ou foi ela que avançou?

Agora, deleito-me com a leveza da sua companhia.
Divirto-me com os nossos jogos de esconder e revelar.
Rio como há muito não ria a graça de sermos por inteiro.
Aconchego-me a ela e gozo cada milímetro de sua forma.
Copulamos como lobos e como humanos,
No desejo de permanecermos unidos,
Pêlo com pêlo, pele com pele, embriagados pelos três pontos de interjeição,
Ainda que tudo entre nós seja um ponto de interrogação.

c cardoso

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